Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Monday, March 23, 2009

Em Quatro Dias - Álbum de fotografias em branco



11/01/2003

“A vida nas drogas é um álbum de fotografias em branco”.
“Não vejo nada, não respeito sentimentos, me faz pensar que todos a minha volta são meus inimigos. Me faz acreditar que meus amigos são aqueles que estão juntos na hora da “doideira” e que meu único e verdadeiro amigo é o cara que está ali pra me vender a droga”.

“ATOS E REAÇÕES, ANTES E DEPOIS”

“Quando quero usar um “barato” e tenho dinheiro, fico nervoso, impaciente, arranjo sempre uma desculpa pra me livrar de quem está a minha volta de qualquer jeito, sem tomar conhecimento do que pode acontecer ou sem consciência de que estou magoando alguém, machucando os sentimentos de quem me ama.
Na hora em que estou “good”, tenho certeza que não tenho medo de nada, me acho o melhor, o inatingível, minha coragem é infinita para fazer qualquer coisa, seja o que for, sem me preocupar com as consequências de onde isso pode me levar, se posso ou não prejudicar outras pessoas.Quando estou “muito louco”, não tenho medo de nada nem de ninguém”.

“USO PRA FUGIR DOS PROBLEMAS”


“Quero parar de usar, mas o problema é que sinto falta da “adrenalina” e não tenho como explicar.
Quando estou sóbrio me sinto com medo de tudo e de todos, o meu relógio biológico fica mais agitado, é difícil me controlar.
Sei que cada um “doente” tem um tipo de reação, uns ficam mais violentos, outros são meigos e outros “vegetam”, não sei se vão me entender, mas acho que tudo está estampado nos jornais ou nas tv´s, como o caso da menina que matou os pais.
Tem pessoas que fazem loucuras por dinheiro, pela droga.
Vou dormir agora, está me dando sono, amanhã continuo”...

12/01/2003

“EM BUSCA DE AJUDA”

“A presença da família e das pessoas que estão sempre prontas a me socorrer, me ajudam a suportar um pouco as fases difíceis da falta.
O grande problema é quando tenho algum dinheiro, aí fica quase impossível me controlar, por que sei onde encontrar o que procuro, as coisas novamente fogem do meu controle e me desespero.
Mas com muito esforço consigo sossegar e aos poucos vai ficando tudo calmo, não é fácil, mas vou me acostumando com a falta da sensação que a droga me proporciona”.

“COMO ME SINTO”

“Neste instante estou calmo, não sinto a falta, mas também não sei explicar.
Quando vem a paranoia da abstinência (não sei como ela surge), vem mais forte, como um furacão. De repente, vem uma força, talvez do além, algo muito maior que eu e me ajuda a suportar a dor na alma. Mas junto também vem um medo absurdo, me sinto fragilizado, inseguro, me sinto doente. Não me permito ficar perto de ninguém, tenho vergonha de minha fraqueza, sei que todos observam minha aflição”.

“OS OLHOS DOS OUTROS”

“Não sei, mas sinto que todos me olham diferente, me olham com medo, com desconfiança, e tudo isso dói muito, dói fundo, machuca e deixa feridas como um corte de navalha. É tudo sem explicação...”

13/01/2003

“QUANDO ESTOU SOZINHO”



“Quando fico sozinho em casa recomeça a crise, ela vem sempre mais forte, avassaladora, parece incontrolável, angustiante e sinto como se todas as pessoas que vão chegando em minha casa quisessem me fazer mal, penso que elas só vieram me condenar, me agredir e sinto que não tenho ninguém pra me proteger, fico aflito, esperando um socorro qualquer pra me livrar dessa doença, desse mal sem cura”.

“A AFLIÇÃO”

“Queria explicar como é essa aflição. Só sei que me sinto frágil, sensível, qualquer coisa ou pessoa me deixa assustado, me desespero por não saber como agir”.

“DE ONDE VEM O MEDO”

“O medo surge do nada, como um vento forte, uma tempestade. Vem sem avisar, de repente”.
Mas primeiro vem a “fissura” pra se usar a droga, mas não está tão difícil mais suportar, mas o medo não dá para controlar, fica quase impossível ver alguém ou mesmo conversar com pessoas as quais não tenho certa afinidade.
Vou segurando a onda pra tentar superar mais esta crise de hoje, neste momento estou em crise, com muito medo, agora é meio-dia, essa é a pior hora ,mas estou conseguindo suportar, não tenho dinheiro aqui comigo, isso é ruim e bom ao mesmo tempo, porque se tivesse dinheiro seria mais difícil me controlar e fugiria sem ninguém perceber.

“COMO EXPLICAR A CRISE”

“A vontade de me drogar, vem e vai.
Vem fraquinha e vai ficando cada vez mais forte, às vezes passa rápido, quando passa por um longo tempo, volta bem forte, mas me sinto seguro quando estou com meu pai e minha mãe ao meu lado, me sinto protegido.Mas mesmo assim, ainda me dá agonia”.

14/01/2003

“Mais um dia de luta, mais um dia de vitória”.


“A LUTA PRA VENCER A ABSTINÊNCIA”

“Essa é uma luta sem vencedores e sem derrotados.
Porquê? Quando sinto a falta da droga, fico procurando coisas no chão, penso que o remédio pode ser qualquer coisa pra me deixar “legal”. Por um instante, deixo me levar pelo impulso, procurando desesperadamente pela droga, mas logo passa e penso até que ponto chega a “noia”.
Esta doença é sem controle, me deixa sem horizonte.
Mas estou vencendo dia após dia, hoje estou me sentindo mais forte e tenho certeza que vou conseguir me curar”.

Ângelo Endo

São Paulo, janeiro de 2003.






O que você acabou de ler é um relato na primeira pessoa, um pedaço de um diário de um jovem como tantos na sua luta contra o vício.O diário de Ângelo Endo, nascido em São Paulo em janeiro de 1976.
Seu vício começou na época em que fazia o ensino médio, começou dando uns “pegas” num “baseado”, depois foi experimentar drogas mais fortes e por fim viciou-se no crack.
O vício o fez enveredar pelo mundo do crime, se envolveu em estelionatos, roubos e assaltos, era o famoso ”piloto de fuga”.
Chegou a ser baleado numa dessas fugas.
Sua família se empenhou ao máximo para recuperá-lo, quando ele escreveu esse pequeno diário estava encarando a realidade e decidiu se curar. Estava em tratamento, tomando remédios para controlar a abstinência e pediu para ser internado numa clínica de recuperação.
Como sua internação já estava acertada, pediu a seu pai para que o levasse até a casa de praia. Ângelo queria ver o mar. Seu pai assim o fez.
Chegando lá, seu pai o mantinha sob vigilância dia e noite, sabia que se o deixasse sair Ângelo iria ao encontro das drogas. Na praia o acesso é mais fácil.
Numa noite, seu pai,já exausto, adormeceu, Ângelo pegou a chave do carro que seu pai escondera embaixo do travesseiro e saiu.
Seu pai acordou e percebeu que Ângelo não estava em casa, saiu desesperado para encontrar o filho, foi em vão...

Avisou os familiares e acionou a polícia, alugou até um barco para procurá-lo no mar e nos canais, depois de longo tempo só encontraram o carro queimado, sem nada ter sido levado. O desespero cresceu e se tornou agonia.
Sem esperanças de encontrar o filho o pai de Ângelo retornou para São Paulo, mas logo recebeu um telefonema, eram os policiais informando que encontraram um corpo e que ele retornasse.
Assim foi feito, com o coração na mão, torcendo para que o corpo encontrado não fosse o do seu filho.
No coração de um pai, sempre sobra uma esperança.
O corpo encontrado era o de Ângelo. Num canal, amordaçado, com os pés e as mãos amarradas, preso por galhos, nem um bala foi gasta para matá-lo, foi torturado e e morto com pancadas na cabeça.
Ângelo Endo foi assassinado em fevereiro de 2003 em Peruíbe, litoral de São Paulo.
Na sua luta pra se livrar da doença, queria ver o mar.

A vida nas drogas é sim, um álbum de fotografias em branco.



Cássia Lara e Marcos Teles