Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Tuesday, June 09, 2015

Ferréz , A Periferia Não Precisa de Agência

Ai você acorda pela manhã e vê, que apesar dos olhos doendo eles não acreditam no que leem.
A gente fez um corre monstro esse tempo todo, muita gente construindo a cultura, ai o cara junta tudo, monta um discurso e tem a coragem de vomitar palavras como "Fomento", "valorização", "juventude", um puta discurso de mudança, sendo que nunca pegou numa malha pra produzir uma camisa na quebrada, nunca publicou um livro e distribuiu, jamais participou se um debate, não intercedeu, não promoveu mudança na vida de ninguém, nem sequer tem a humildade de reconhecer quem já está a muitos anos nessa luta. Desmembramento da cultura periférica em prol de alguns ratos aproveitadores. Mas quem tá na contenção tá ligado que periferia não precisa de agência. Triste ver a ação educativa apoiando isso, já teve dias melhores. É isso mesmo, quem tá dizendo sou eu. Ferréz

Wednesday, June 03, 2015

Trecho de Sombras no Jardim-Dona Isolda



 Imagem:Internet


Eu nasci em uma grande fazenda de café.Eram tempos de fartura.Minha família era grande e feliz.Papai, mamãe e mais três irmãos.
Cresci tomando banho no riacho que corria em nossa fazenda, dançando nas festas que eram frequentes lá em casa, andando em belos e dóceis cavalos.Que saudade...
Cresci, conheci o primeiro namorado e a infância ficou lá atrás.Me casei com o homem que amava...
Minha felicidade ficou completa quando veio meu filho.Um lindo menino sorridente e de olhos grandes.

Essa é a parte boa de minha vida, pena que já faz tanto tempo...
A felicidade é sempre muito curta, a gente sempre acredita que vai ser feliz pra sempre, ledo engano.A felicidade é breve.

Tudo mudou quando papai começou a ter constantes problemas financeiros.Foi em uma época em que choveu muito, perdemos a lavoura de café e as dívidas se acumularam.Sem pensar muito papai vendeu a fazenda e com o pouco que sobrou da venda comprou uma casa na cidade. Meu marido arrumou uma colocação como administrador em outra fazenda e nos mudamos.

Foi difícil me acostumar, sentia dor de tanta saudade. Meu marido ficava dias longe de casa, eu estava distante de meus pais e meus irmãos, tudo fazia sentir-me só. Incontáveis vezes sequei minhas lágrimas no cobertor de meu filho, ele não entendia porque eu chorava e sorria docemente pra mim. E isso me doía tanto...

Tenho a impressão que o tempo passou mais depressa pra mim do que para os outros.Fui acompanhando o desaparecimento de todos que amei.Foram morrendo um à um. Sobramos somente eu e meu filho. A felicidade é muito breve.

Os anos se passaram, meu filho cresceu tornou-se um homem e foi trabalhar fora.Como o pai passava dias sem dar notícias.Foi vender enciclopédias em cidades do interior. Até que um dia nunca mais voltou.Fiquei definitivamente só.

Voltei pra fazenda que pertencia a minha família, fui contratada para trabalhar na colheita do café.Passei anos ali novamente, claro que sem o conforto de quando era filha do dono da fazenda.

Eu já estava com os anos pesando nas costas, não aguentei mais o trabalho e me demitiram.Saí sem nada,sem dignidade,sem direitos.Sem nada.
Com a ajuda de uma conhecida cheguei em São Paulo, fui morar em Parelheiros. E era tão longe.

Uma pessoa me aconselhou a vender espetinhos nas ruas, era um trabalho simples, que não precisava fazer força.Para uma mulher idosa era a única coisa possível, eu poderia me sustentar assim.

Eu me sentia solitária e infeliz,até conhecer as pessoas que passavam por minha banquinha todos os dias. E eram pessoas de todas as idades, todos tinham um pouco de infelicidade também.
Eu trabalhava todos os dias. Eu trabalhava muito e ganhava muito pouco.
No inverno eu sofria demais, as pessoas estavam sempre mais apressadas, por isso não paravam para comer do meu churrasco, então eu tinha que ficar na rua até mais tarde.
Sofri muito, passei muito frio e nunca me esqueci do meu filho, eu o buscava na memória todos os momentos do dia e a noite sonhava com um menino lindo e sorridente.

Chegou o dia em que pensei que enfim iria morrer. Desmaiei ao lado da minha banquinha. Acordei no hospital.
Fiquei meses internada, não sabiam para onde me mandar.A amiga com quem eu morava foi embora pra Bahia e vendeu a casa.

Todo sofrimento um dia abranda. Conseguiram um lugar para mim em um asilo.
Aqui onde estou, fiz amigos, mas sou muito só.Tenho comigo apenas as lembranças, faço questão de guardar apenas as boas.Nossa fazenda, o riacho, os cavalos.

Não guardo mágoas, mas não entendo porque a pessoa que mais amei, a única pessoa por quem eu daria minha vida, desapareceu, me esqueceu, como se eu nunca tivesse existido;meu filho.

Hoje acordei ansiosa, talvez poderei ter um pouco de alegria, não quero me decepcionar, acreditar em vão.Mas acho que o encontrei, me disseram que ele trabalha no rádio.Vou ouvir e depois escrever uma carta.Não quero me decepcionar. Mas preciso acertar as contas com o passado, com minha vida.