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É Que... Faltou Dizer
Eu Te Amo
Eu reconheci
aquele caminhar, aquele jeito de dar cada passo. A cada pedaço de rua que ela avançava,
o tempo me levava de volta para trinta anos atrás. Ela conservava a mesma
beleza.
Ela me reconheceu.
Eu estava parado na porta da casa de meu irmão. Fui buscar Samira, minha
pequena sobrinha, que iria fazer uma longa viagem.
Ela se aproximou,
me olhou nos olhos e sorriu.Era o mesmo sorriso.Eu lhe estendi a mão.Suas mãos estavam trêmulas e a voz conservava
a mesma melancolia.
As palavras
demoraram a sair:
- Como vai?
-Vou indo. A
vida está cada vez mais corrida.
-Faz tempo
que não aparece por esses lados.
-É verdade. Coisas
acontecem e tudo muda muito de repente.
-Da última
vez que esteve por aqui, e já faz muito, muito tempo,te vi de longe.
- E por quê
não falou comigo?
-Você estava
acompanhado.
-Não havia
problema algum nisso.
-Não quis
ser deselegante. Achei desnecessário criar um transtorno, trazendo um pedaço
perdido do passado.
-Tudo bem.
Ela me
olhava atentamente, como se buscasse algo escondido dentro de mim e falou:
-Você está
muito bem, continua bonito.
-O tempo
também tem sido generoso contigo. Você está linda também.
Eu tinha
tanto para perguntar e as palavras insistiam em não querer sair, eu me
esforçava:
-Como está
sua família?
-Família?
-Sim, sua
família.
-Nunca tive.
-Mas você se
casou.
-Não durou
muito tempo.
-E filhos?
-Não os
tive.
-Não quis
ser mãe?
-Durante um tempo,
sim. Até que tentei.
Os olhos
claros dela refletiam uma certa dor escondida na alma.
Fomos
soltando as amarras e as palavras que deveriam ser ditas no passado, só agora
vieram:
-Você ainda
se lembra da última vez que conversamos?
-Sim, na
missa de sétimo dia de seu pai.
-Você
apareceu lá com seu marido.
-Nossa! O tempo
passou rápido demais.
-Demais, demais,
demais.
Ela tinha
muitas perguntas e nunca tive as respostas.
-Olha, eu
nunca tive a chance, talvez se tivesse tido, me faltaria coragem.
-Coragem, pra
quê?
-O que
aconteceu com a gente?Por quê você foi embora?
-Foi sua a
culpa.
-O que eu
fiz?
-Você nunca
me deu certeza se gostava de mim. Nunca me deu certeza se queria ficar comigo.
-Não
acredito que isto ouvindo isso de você. Você resolveu ir embora. Fiquei sabendo
na manhã em que embarcou naquele maldito ônibus. Mesmo assim, ainda fui lá e vi
de longe você indo embora.
-Eu te vi na
rodoviária.
-E não se
despediu de mim. Nem mesmo um único e mísero aceno.
-Eu esperei você
me pedir pra ficar.
-Eu esperei
você descer do ônibus, desistir de ir embora e me dar um abraço.
-Eu chorei
durante toda a viagem. Quando começava a pegar no sono, acordava aos
sobressaltos sentindo o teu perfume.
-Chorei muito.
Chorei durante muitos meses.
-Eu pensei
em voltar.
-Eu te
esperei.
-Mas se
casou com outro.
-Te esperei
por muito tempo. Nunca recebi uma carta sua.
-Você nunca me
deu certeza se gostava de mim.
-Você também
não.
-Me fazia
sentir ciúmes.
-Eu só
queria chamar sua atenção.
Seus olhos
claros se umedeceram, por baixo dos meus óculos escuros as lágrimas rolaram
escondidas.
-Muitas
vezes eu liguei na casa de minha mãe, exatamente na hora em que eu sabia que
você estava passando em frente.
-Você nunca
me enviou um recado.
-Eu pedia
pra minha irmã me dizer que roupa você estava usando e se estava linda como
sempre.
Ela queria
dizer mais alguma coisa:
-Seus filhos
são lindos.
-Sim, eles
são lindos.
-Eles se parecem
com sua mulher.
-Parecem
muito.
-Sua mulher
se parece comigo. Foi proposital?
-Como
assim?Proposital?
-Se casar
com alguém que se parece tanto comigo?
-Não. Foi o destino.
O lugar em que a conheci, o coração precisando de abrigo.
-Você a ama
muito.
-Amo. Amo de
verdade. Aprendi a amá-la com todas minhas forças.
Ela estendeu
a mão para me dizer adeus:
-Foi bom te
ver.
-Foi um prazer.
Me perdoa?
-Claro. Já
te perdoei há muito tempo. Sem ressentimentos Já estamos velhos para desenterrar
os erros do passado.
Ela ajeitou
o lenço no pescoço, colocou o chapéu e se foi dizendo:
-Boa sorte e
boa viagem.
-Boa sorte
pra você também. Cuide-se.
Samira foi
buscar suas malas e parou para ouvir a conversa atrás da porta entreaberta da sala
que dá para a rua. Coloquei suas malas no bagageiro e ela sentou-se no carro. Depois
de sair da avenida e entrar na estrada, Samira rompeu o breve silêncio:
-Você e ela
já foram namorados, tio?
-Não sei se “namorados”
é a palavra exata. Nós tentamos ficar juntos uma vez, já faz muito tempo.
-Ela te amou,
tio. Ela vai te amar a vida inteira.
-Como você
pode afirmar isso?Você só tem onze anos?
-Tio!Dá pra
ver nos olhos dela, dá pra ouvir na voz dela.
-E você
percebeu isso assim, tão depressa?
-Tio! Já
entendo algumas coisas. Já sei o que aconteceu com vocês dois.
-E o que
aconteceu?Pode me dizer?
-É que... Faltou
alguém dizer, eu te amo.
A noite
começava a cair, o sol estava vermelho, a linha do horizonte já ficava mais perto.
E como há trinta anos atrás,o perfume dela me mantinha acordado.