Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Tuesday, September 22, 2015

É Que... Faltou Dizer Eu Te Amo



Imagem:Internet

É Que... Faltou Dizer Eu Te Amo
Eu reconheci aquele caminhar, aquele jeito de dar cada passo. A cada pedaço de rua que ela avançava, o tempo me levava de volta para trinta anos atrás. Ela conservava a mesma beleza.
Ela me reconheceu. Eu estava parado na porta da casa de meu irmão. Fui buscar Samira, minha pequena sobrinha, que iria fazer uma longa viagem.
Ela se aproximou, me olhou nos olhos e sorriu.Era o mesmo sorriso.Eu lhe estendi  a mão.Suas mãos estavam trêmulas e a voz conservava a mesma melancolia.
As palavras demoraram a sair:
- Como vai?
-Vou indo. A vida está cada vez mais corrida.
-Faz tempo que não aparece por esses lados.
-É verdade. Coisas acontecem e tudo muda muito de repente.
-Da última vez que esteve por aqui, e já faz muito, muito tempo,te vi de longe.
- E por quê não falou comigo?
-Você estava acompanhado.
-Não havia problema algum nisso.
-Não quis ser deselegante. Achei desnecessário criar um transtorno, trazendo um pedaço perdido do passado.
-Tudo bem.
Ela me olhava atentamente, como se buscasse algo escondido dentro de mim e falou:
-Você está muito bem, continua bonito.
-O tempo também tem sido generoso contigo. Você está linda também.
Eu tinha tanto para perguntar e as palavras insistiam em não querer sair, eu me esforçava:
-Como está sua família?
-Família?
-Sim, sua família.
-Nunca tive.
-Mas você se casou.
-Não durou muito tempo.
-E filhos?
-Não os tive.
-Não quis ser mãe?
-Durante um tempo, sim. Até que tentei.
Os olhos claros dela refletiam uma certa dor escondida na alma.
Fomos soltando as amarras e as palavras que deveriam ser ditas no passado, só agora vieram:
-Você ainda se lembra da última vez que conversamos?
-Sim, na missa de sétimo dia de seu pai.
-Você apareceu lá com seu marido.
-Nossa! O tempo passou rápido demais.
-Demais, demais, demais.
Ela tinha muitas perguntas e nunca tive as respostas.
-Olha, eu nunca tive a chance, talvez se tivesse tido, me faltaria coragem.
-Coragem, pra quê?
-O que aconteceu com a gente?Por quê você foi embora?
-Foi sua a culpa.
-O que eu fiz?
-Você nunca me deu certeza se gostava de mim. Nunca me deu certeza se queria ficar comigo.
-Não acredito que isto ouvindo isso de você. Você resolveu ir embora. Fiquei sabendo na manhã em que embarcou naquele maldito ônibus. Mesmo assim, ainda fui lá e vi de longe você indo embora.
-Eu te vi na rodoviária.
-E não se despediu de mim. Nem mesmo um único e mísero aceno.
-Eu esperei você me pedir pra ficar.
-Eu esperei você descer do ônibus, desistir de ir embora e me dar um abraço.
-Eu chorei durante toda a viagem. Quando começava a pegar no sono, acordava aos sobressaltos sentindo o teu perfume.
-Chorei muito. Chorei durante muitos meses.
-Eu pensei em voltar.
-Eu te esperei.
-Mas se casou com outro.
-Te esperei por muito tempo. Nunca recebi uma carta sua.
-Você nunca me deu certeza se gostava de mim.
-Você também não.
-Me fazia sentir ciúmes.
-Eu só queria chamar sua atenção.
Seus olhos claros se umedeceram, por baixo dos meus óculos escuros as lágrimas rolaram escondidas.
-Muitas vezes eu liguei na casa de minha mãe, exatamente na hora em que eu sabia que você estava passando em frente.
-Você nunca me enviou um recado.
-Eu pedia pra minha irmã me dizer que roupa você estava usando e se estava linda como sempre.
Ela queria dizer mais alguma coisa:
-Seus filhos são lindos.
-Sim, eles são lindos.
-Eles se parecem com sua mulher.
-Parecem muito.
-Sua mulher se parece comigo. Foi proposital?
-Como assim?Proposital?
-Se casar com alguém que se parece tanto comigo?
-Não. Foi o destino. O lugar em que a conheci, o coração precisando de abrigo.
-Você a ama muito.
-Amo. Amo de verdade. Aprendi a amá-la com todas minhas forças.
Ela estendeu a mão para me dizer adeus:
-Foi bom te ver.
-Foi um prazer. Me perdoa?
-Claro. Já te perdoei há muito tempo. Sem ressentimentos Já estamos velhos para desenterrar os erros do passado.
Ela ajeitou o lenço no pescoço, colocou o chapéu e se foi dizendo:
-Boa sorte e boa viagem.
-Boa sorte pra você também. Cuide-se.
Samira foi buscar suas malas e parou para ouvir a conversa atrás da porta entreaberta da sala que dá para a rua. Coloquei suas malas no bagageiro e ela sentou-se no carro. Depois de sair da avenida e entrar na estrada, Samira rompeu o breve silêncio:
-Você e ela já foram namorados, tio?
-Não sei se “namorados” é a palavra exata. Nós tentamos ficar juntos uma vez, já faz muito tempo.
-Ela te amou, tio. Ela vai te amar a vida inteira.
-Como você pode afirmar isso?Você só tem onze anos?
-Tio!Dá pra ver nos olhos dela, dá pra ouvir na voz dela.
-E você percebeu isso assim, tão depressa?
-Tio! Já entendo algumas coisas. Já sei o que aconteceu com vocês dois.
-E o que aconteceu?Pode me dizer?
-É que... Faltou alguém dizer, eu te amo.

A noite começava a cair, o sol estava vermelho, a linha do horizonte já ficava mais perto. E como há trinta anos atrás,o perfume dela me mantinha acordado.