Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Thursday, October 05, 2017

Ninoska E As Garotas de Sarajevo





Morte e Vida

Eu apareci em uma manhã fria.
Fui encontrada dentro de uma caixa de papelão, na porta de uma casa de um casal
de agriculturoes em uma pequena cidade de Santa Catarina. Dentro da caixa,
sobre meu corpo, havia um pedaço de papel com uma única frase: “ O nome dela é
Ninoska. ”
Tive uma infância normal como qualquer menina, não me lembro de muita coisa,
lembro que nunca chorei.
Sei que o tempo passou depressa pra mim. Quando me dei conta, eu já era uma
garota com um metro e oitenta de altura, cabelos negros e olhos azuis.
Nunca encontrei meu lugar no mundo.Mas sempre fui uma garota forte.
Perdi meus pais adotivos ainda na adolescência. Um louco, dirigindo bêbado em
alta velocidade os matou atropelados, enquanto caminhavam, pelo acostamento da
estrada. Meus pais vinham do sítio, onde passaram o dia trabalhando.
Fui morar com uma tia, irmã de meu pai, uma mulher interesseira e cruel, roubou
tudo o que me restou. Depois de me explorar de várias formas, me inscreveu em
um concurso de Miss e depois me entregou para duas mulheres, que me disseram
que eu seria modelo de sucesso.Nem preciso dizer que não foi nada do que me
prometeram.
Cheguei em São Paulo e fui apresenada à uma agência de modelos, o trabalho?
Demonstrar produtos em lojas e supermercados. Aquilo não era nem de longe o
que eu havia imaginado.
O dinheiro era pouco e tinha os malditos convites indecentes.
Larguei tudo e fui procurar um emprego fixo.
Durante um tempo, até que as coisas andaram bem.Estava morando em uma
kitinete no bairro da Bela Vista, conseguia pagar as contas em dia e até me divertia
na noite.
Nunca entendi porque a vida passava mais depressa para mim do que para os
outros.
Perdi o emprego e tive que deixar a quitinete, fui morar no Capão Redondo.Um
rapaz que conheci, Gustavo, me arrumou uma casa lá.Era um cubículo úmido, em
um quintal com outras seis casinhas. A rua era cheia de bares, dia e noite, carros
com som alto. Os meus vizinhos também pareciam surdos, ouviam suas músicas no
último volume e cada um escutava um estilo musical, um inferno.
Às vezes, Gustavo aparecia por lá, somente nos dias em que estava bem, ele era um
rapaz bonito, educado, parecia ser de família classe média alta, mas não tinha total
sanidade mental.Mas eu gostava dele, me sentia segura e protegida em sua
companhia.O problema é que ele sempre arrumavava um motivo para
desaparecer, às vezes saia sem destino, viajava para vários lugares que chamava de
místicos, para vender artesanato.
Quando tudo está ruim a gente acha que não pode piorar, engano, as coisas
ficaram horríveis para mim.
Eu já não tinha trabalho fixo, dia sim, dia não, eu não acordava bem, e depois de
um tempo comecei a ter febre todas as tardes.Eu não tinha plano de saúde,
dependia do serviço público, porém, me faltava dinheiro para sair.
Comecei a atrasar o aluguel, a empresa de energia cortou a minha luz, também
não tinha mais gás no fogão.
Mesmo me sentido mal, saía cedo e voltava tarde da noite, para que o senhorio não
me cobrasse os meses de aluguel atrasados.Perambulava pelas ruas até que
encontrei uma oportunidade em uma empresa de cobrança.
Preparei um currículo e no outro dia cedo fui entregar e passar por uma entrevista
de emprego. Deu certo, seria contratada, bastava fazer o exame médico
admissional.
O rapaz da empresa me deu o endereço da clínica, meu coração estava aos
sobressaltos, ansiosa, enfim, um trabalho. Vida nova.
A recepcionista da clínica me chamou e me pediu para entrar no consultório, um
médico jovem e simpático me convidou a sentar e começou a fazer perguntas:
-Você sente alguma coisa?
-Não.Me sinto ótima.-respondi titubeante, há dias não me sentia bem.
-Vamos medir sua pressão, sua temperatura, tudo bem?
-Tudo bem.
O médico colocou a mão em meu rosto e me falou:
- Você está com febre.
Tentado convencê-lo, lhe falei:
-Deve ser o calor, vim correndo.
Ele não acreditou no que lhe disse, saiu da sala e depois voltou com outro
médico.Os dois converasarm baixinho por alguns instantes, aproximaram-se de
mim e me disseram:
-Vamos precisar fazer alguns exames, é para o seu bem.
Naquele momento eu só queria um laudo me liberando para o trabalho, não sabia
da gravidade de minha situação.
Os médicos me deram um remédio, pouco tempo depois duas enfermeiras me
pediram para subir em uma maca, me levaram para a porta da clíncia onde uma
ambulância estava me aguardando.
Cheguei ao Hospital das Clínicas e fui atendida imediatamente, me levaram para
uma sala e começaram a me examinar, foi demorado. Eu estava assustada como
nunca estivera antes.
Depois dos exames, me colocaram em um quarto, lá fiz a primeira refeição do dia,
me disseram que os médicos viriam falar comigo, esperei, esperei...enfim, eles
entraram.
Um dos médicos começou a me fazer perguntas:
-Quantos anos você tem?
-Acho que 26.
-Acha? Como acha? -O médico perguntou surpreso.
Tive que lhe contar a minha história e ele teve pena de mim.Segurando em minhas
mãos me falou com imenso carinho e piedade:
-Olha, nós vamos cuidar de você, vamos fazer o possível para te curar.
Fiquei ainda mais assutada.
- Você está doente, com um tumor agressivo no pâncreas.
Eu tentei chorar, lembrei que sempre fui uma garota forte, mas meu mundo estava
desabando.
Quando tudo parecia ruim o médico me deu mais uma notícia que foi o nocaute
definitivo:
-Você está com uma gravidez de cinco meses.
Era tudo o que eu não precisava, um câncer letal e uma gravidez, sinceramente,
era muito azar para uma única pessoa.
Atordoada e sem rumo, me disseram para ir para casa e que voltasse dois dias
depois, iriam procurar a melhor forma para começar o tratamento.
Saí do hospital carregando minha sentença de morte.Eu estava só, não tinha com
quem desabafar, lamentar. Por horas só pensei na ponte mais alta de onde eu
poderia me atirar, saltar nos trilhos do metrô. Eu só pensava em morrer depressa,
seria melhor do que ficar trancada no quarto de um hospital esperando a morte
me cerrar os olhos.
A chuva caia forte e silenciosa, caminhei até a estação do Metrô, minhas roupas
estavam encharcadas. Uma de minhas tias, por não ver chorar me disse um dia:
“Chega uma hora em que você sentirá tanta tristeza, que lágrimas escaparão de
seus olhos e escorrerão pelo teu rosto cansado, algumas gotas ficarão depositadas
por alguns segundos em teus lábios, então você sentirá o gosto das emoções que
passou a vida inteira tentando esconder. ” Minha tia tinha razão.
O trem encostou na plataforma, àquela hora da noite, não estava muito cheio,
ainda havia um assento vago, sentei e me entreguei aos pensamentos. Eu pensava
em como a vida é injusta, carregava no ventre as duas coisas mais importantes
para os seres humanos. Eu carregava ao mesmo tempo uma nova vida e a morte.
Ainda entregue aos pensamentos e sentimentos diversos, não havia percebido que
uma garotinha entrara na estação anterior. Ela segurava na mão de um senhor
muito idoso. Como não me sentia fraca, cedi-lhes o lugar.
A garotinha pediu para segurar minha mochila, eu fiz um gesto dizendo que não
precisava, ela insistiu:
-Me dá! Eu levo, você é educada! - Depois completou: -Você é linda!
Retribui os elogios com um esboço de sorriso.
A garotinha e o velhinho não tiravam os olhos de mim.Olhando pelo reflexo da
janela do vagão, os via cochichando e sorrindo em minha direção.
Os altos –falantes do metrô anunciaram a próxima estação, a garotinha fez um
sinal com o dedo, me chamando para que eu colocasse o ouvido perto de sua
boca.Quando encostei, ela me fez um carinho e disse baixinho em meu ouvido:
-Não se preocupe, Ninoska, tudo vai dar certo.
Por um milésimo de segundo, senti um calafrio, uma luz intensa invadiu meus
olhos.
A garotinha desceu na estação. Quando ela entrou com aquele velhinho no trem,
achei que estavam juntos, mas para minha surpresa, ao desembarcarem na
estação, cada um tomou uma direção. Tentei acompanhar à distância o caminhar
lépido da garotinha, a perdi de vista, ela desapareceu na escada rolante.
As palavras dela me deixaram curiosa, ela sabia meu nome. Talvez, também
soubesse o que eu estava sentindo.
Quem era aquela garotinha? Fiquei horas me perguntando.
O que ela viu em mim? Minha beleza? Meu tamanho?
O que sei é que por um tempo ela me fez esquecer um pedaço do dia triste que
estava vivendo.
Quando o trem começou a fechar as portas, para minha surpresa ela surgiu
novamente e gritou para mim:
-Ninoska! O segredo é Destino!
A Caixinha

Desembarquei na Estação Capão Redondo, ainda chovia, mas a chuva já não era
tão intensa, andei depressa para tomar o ônibus para o Jardim Comercial. Queria
chegar em casa e já não estava tão preocupada em encontrar o senhorio, iria dizer
logo pra ele, que não se preocupasse com os aluguéis, porque eu estava condenada
e em poucos dias ele poderia alugar a casa para outra pessoa.
O ônibus não demorou, a viagem foi rápida, pouco mais de dez minutos.
Desci no ponto na entrada da rua, normalmente, àquela hora os bares estavam
sempre abertos e lotados de bêbados e desempregados, mas naquela noite não,
estavam fechados. Achei incrível, eu podia ouvir o som do silêncio que jamais
poderia imaginar haver naquele pedacinho do inferno.
Ao abrir o portão dei de cara com o senhorio, respirei fundo e quando me
preparava para lhe dar a minha terrível notícia ele me falou contente:
-Boa noite! Quitaram seus aluguéis, viu? Outra coisa, religaram sua luz e o
caminhão do gás deixou um botijão na sua porta.Quer que eu troque o botijão pra
senhora?
Surpresa, logo pensei em Gustavo, achei que ele deveria ter aparecido e
conversado com o senhorio.Mesmo assim eu quis confirmar:
- Quem pagou tudo isso?
-Os aluguéis, depositaram em minha conta, o resto eu não sei dizer.
O senhorio trocou o botijão, fui tomar um banho e me preparei para fazer um
café.
A incerteza de meu futuro já começava a me atormentar, eu sabia que não teria
muito tempo de vida, ouvi os médicos falando baixinho que eu só resistiria durante
cinco e seis meses. Não chorei. Só pensava naquela vida que estava dentro de mim.
Um pensamento me confortou um pouco.A criança tinha um pai, Gustavo tinha
família e poderiam criar meu bebê. Mesmo depois que eu partisse, um pedaço de
mim continuaria a existir.
Coloquei o café no copo e fui tirar minhas coisas da mochila. Retirei lá de dentro a
blusa, o estojo de maquiagem, um par de tênis e o telefone descarregado. Também
havia algo que tinha certeza não ter colocado na mochila, uma caixinha de
madeira forrada de veludo.Pensei até que alguém trocara minha mochila no
hospital, não houve engano, era a minha mesmo, exceto a caixinha, as outras coisas
me pertenciam, alguém a colocou lá.
A caixinha era linda, feita com capricho, era um artefato antigo. Havia uma
pequena peça que a trancava, um segredo de cofre, com letras no lugar dos
números.Novamente aquele calafrio e aquela luz intensa me atingiram.
Tive certeza, foi a garotinha do trem quem a colocou em minha mochila.Também
tive certeza que se tratava de um presente.
Intrigada com a caixa, não consegui pegar no sono, segurava a caixinha, olhava a
riqueza dos detalhes, até que me lembrei das palavras da menina.
Devarinho fui colocando os dedos na pequena fechadura, fui digitando letra a letra
a palavra; D-E-S-T-I-N- O.
A pequena caixa se abriu, dentro dela um lindo colar, um par de brincos, um
pequeno lenço de seda e um caderninho.
Fiquei ainda mais surpresa com a capa do que parecia ser um diário, o pequeno
caderno tinha a capa de camurça vermelha, as bordas eram enfeitadas com filetes
dourados, havia uma plaquinha de ouro onde estava escrito; Ninoska.

O Caderno

Abri o diário de Ninoska, as palavras estavam escritas com tinta dourada e em
uma língua que demorei a identificar, era bósnio.
Folheei cada página, e aos poucos aquele idioma, de alguma forma, ia parecendo –
me familiar.
Eu estava exausta, muita coisa me aconteceu naquele dia, fui procurar o sono.
Não tenho certeza se já dormia, de repente, comecei a sonhar que lia aquele
caderno e no sonho eu podia ouvir a voz de sua dona lendo comigo em voz alta:
“- Me chamo Ninoska e minha história não é muito diferente da história de
qualquer garota. Apareci em uma manhã fria de dezembro. Fui encontrada dentro
de um cesto, na porta de uma casa humilde de um casal de operários em Sarajevo.
O tempo parece ter passado mais depressa pra mim do que para os outros.
Tive uma vida normal como quase toda garota.Perdi meus pais e irmãos em 1992,
na guerra dos Balcãs, nosso povo quase foi dizimado em um dos maiores
genocídios da história.
Nossa cidade foi bombardeada, perdemos nossas casas, nossa identidade e nosso
futuro.Foram tempos terríveis.
Eu era a garota mais bonita de Sarajevo, era a favorita no concurso de Miss que
organizaram para chamar a atenção do mundo, denunciando aquela guerra
desigual e estúpida.
Infelizmente não pude ser Miss, na semana do concurso fomos expulsos de nossa
terra, fugimos para os campos de refugiados na fronteira com Montenegro. Dias
de caminhada, frio, fome, medo e incertezas. Procurávamos uma nova pátria, um
país que nos acolhesse.A Europa nos fechou as portas, éramos um povo errante e
assim passaram-se meses para alguns e anos para outros.
Na fronteira com Montenegro, armou-se o acampamento, milhares de pessoas
acotovelam-se naquele lugar. O frio glacial, a falta de remédios, de roupas, comida
e água, nos atormentava o tempo todo.As tropas da ONU estavam lá, não sabíamos
se nos protegiam ou nos vigiavam, erámos prisioneiros da ganância e do poder.
A guerra me deixou sequelas psicológicas, passei a não distinguir a realidade da
fantasia.Estava ficando louca.Passava horas do dia procurando uma maneira de
acabar com minha própria vida, já não suportava viver daquela maneira. ”
Eu estava sentindo o que Ninoska narrava em sua história, podia sentir o frio, a
violência, também podia ouvir as metralhadoras vomitando chumbo e as bombas
caindo sobre as casas.Parecia que algo nos unia, talvez fôssemos parte de uma
mesma história:
“-A cada dia chegavam mais pessoas, mulheres, idosos, crianças, pessoas com
deficiência, sabíamos que muitos não sobreviveriam sem ajuda, ajuda que aliás,
quase nunca chegava.
Minha sanidade estava comprometida, muitas coisas começaram a acontecer a
minha volta e eu não conseguia distingui-las.
Em uma tarde de muita neve, me perdi na tempestade, comecei a gritar
desesperada, aquele foi um dos poucos dias em que não havia pensado em me
matar.
Na minha loucura, imaginei que passei a tarde comprando perfume em Paris, que
passeei pelas ruas de Milão experimentando os casacos, que também caminhei em
Nova Iorque e dei gorjetas para um belo rapaz que tocava saxofone na Quinta
Avenida, imaginei que fiz tudo o que uma garota sonha fazer.
Eu não consegui terminar meu passeio, minhas compras. A tempestade de neve me
envolveu, porém, senti uma pequena mão segurando a minha. Uma linda
garotinha me salvou, ela sorriu e falou no meu ouvido:
-Não se preocupe, Ninoska, tudo vai dar certo.
A tempestade acabou, tudo ficou calmo e pude ver um céu estrelado, igual ao céu
de Sarajevo. ”
A Flor Iluminada

Eu tentava acordar, mas as palavras escritas em dourado e a voz de Ninoska
continuavam em minha cabeça:
“- Fazia alguns meses que eu estava no acampamento, e até o acontecimento da
neve, ainda não tinha cruzado com aquela garotinha, mas eu tinha plena certeza de
que ela sempre esteve ali.
Ela ficou muito próxima de todos, estava sempre alegre, sempre limpa,
definitivamente, ela não fazia parte daquele lugar. Ela conversava com os
soldados, com os poucos médicos e enfermeiros que de vez em quando aparecia por
lá. Ela sempre desaparecia por horas e depois voltava trazendo alguma coisa,
trazia uma garrafa de água, um pão e até flores. Aquela garotinha nos contava
histórias fantásticas, todos acreditávamos que tudo era fruto de sua imaginação
infantil.
Uma de suas histórias era sobre sua casa e sua rua. Nos dizia que morava em uma
pequena rua de Sarajevo e que em sua rua só havia sua casa.Nos contava sempre
que quando anoitecia, sua rua se iluminava, os paralelepípedos ficavam coloridos e
brilhavam, como uma iluminação de um grande espetáculo, e que no jardim de sua
casa havia uma árvore que brotava uma flor que era iluminada e que tinha um
perfume que só existia naquela única flor. Dizia que através daquela flor, sua mãe
surgia todas as noites.
Algumas pessoas diziam a ela que tal lugar não existia em Sarajevo. Ela sorria e
desaparecia novamente.
O nome dela era Nina. ”
Por um momento, tenho certeza ter sentido o perfume daquela flor, que só nasce
no quintal da casa de Nina, em Sarajevo:

Toby o Cachorro Andarilho

“-Sabíamos que chegaria a hora de voltarmos para nossas casas ou que restara
delas, mas cada vez mais a presença de Nina se tornara indispensávavel para todos
os acampados, Nina era nossa única e verdadeira fonte de alegria.
A senhora Auguta era a pessoa mais idosa do acampamento,tinha problemas de
saúde,pouco se locomovia,vivia triste e chorosa,dizia ser fruto de um
arrependimento.No bombardeio que destruiu sua casa,deixou seu cão,Toby,preso
embaixo de uma coluna de madeira,ela não teve coragem de voltar para tirá-lo de
lá,o pobre cão ficou latindo de dor até perder os sentidos.A senhora Augusta dizia
sofrer em saber que poderia ter socorrido seu amigo inseparável,ela dizia que
Toby era na realidade a única companhia que tivera em muitos anos.
Ela às vezes até esboçava um sorriso quando nos contava das traquinagens do seu
cão.Falava que Toby lhes buscava as sandálias, lhe acordava para avisar que o
entregador de leite estava chegando, entre tantas outras coisas que os cães fazem e
nos surpreendem.Mal começava a falar sobre Toby, a senhora Augusta, logo
desabava a chorar.
Não sei se imaginei ou presenciei, porque logo que aconteceu o fato, a senhora
Augusta desapareceu do acampamento, acho que a levaram para outro lugar.Ela
falava sobre Toby, Nina se aproximou da senhora Augusta e começou a pentearlhe
os cabelos, falou algo em seu ouvido e como de costume, desapareceu por horas.
Estávamos em volta da fogueira quando ouvimos latidos, um cachorro magrinho,
sujo, faminto e cansado, pulou no colo da senhora Augusta, era Toby. Ninguém
nunca explicou como um cãozinho sozinho, passando por campos de guerra,
acampamentos de refugiados, passando pelo frio intenso. Como explicar que um
cãozinho conseguiu caminhar setecentos quilômetros para encontrar sua dona. Só
pode ser amor incondicional.
O amor, o amor é como um rio, o rio corre ao encontro do mar. ”

A Volta do Capitão

Àquela altura, eu não tinha mais certeza de nada. Talvez aquele dia não tivesse
existido. A doença, a gravidez, o presente. Nada mais fazia sentido, e eu não
conseguia acordar
A narrativa do diário de Ninoska me deixava mais curiosa, a fantástica história de
Nina me comovia cada vez mais:
“-Eu me sentia bem, o acampamento estava ficando mais vazio, mais e mais
pessoas estavam voltando para casa.Há dias eu estava completamente lúcida,
minha mente estava tranquila. Existia uma coisa que nos deixava tristes, o choro e
os gritos de um rapaz, Denys. Ela era sofria de múltiplas deficiências, inclusive,
mental. Ele passava dias e noites chamando pelo pai.
O pai de Denys era capitão do exército Bósnio, as forças de paz tinham certeza de
que ele havia morrido no começo da guerra.
As pessoas tentavam distrair o rapaz, era impossível, quanto mais se tentava
consolá-lo, mais ele chorava e gritava pelo capitão.
Não tínhamos muito o que fazer, a maioria das pessoas afastavam-se por piedade.
Não era fácil presenciar o sofrimento do rapaz.
Denys conheceu Nina.O sorriso encantador da garotinha o conquistou. Nina
brincava com Denys, lhe contava histórias, era a única que lhe deixava calmo.
Uma nova leva de refugiados fora autorizada a entrar em Montenegro, Denys
também seria aceito.O rapaz pressentiu que iria embora, todos sabíamos que ainda
imaginava que o pai ainda estivesse vivo e viria lhe buscar e queria estar lá quando
ele chegasse.
Estávamos preparando o pouco de alimento que teríamos naquele dia, quando um
homem chegou no acampamento, usava uma tipoia, tinha as barbas grandes e
procurava pelo filho, era o capitão.
Ele estava confuso, falava coisas desconexas, dizia que uma garotinha lhe levou
uma mensagem, dizendo onde seu filho se encontrava, disse que caminhou por
dias, sem comer e sem beber nada e que mesmo assim, não estava cansado.
Denys chorou nos braços do pai, o capitão chorou, todos choramos. ”

O Casamento de Kalinka e Tivy

O diário de Ninoska estava chegando ao fim, eu podia sentir a respiração dela. Eu
podia sentir seu coração:
“-Depois de meses no campo, havia a possibilidade de voltar para casa, eu estava
alegre, sabia que não haveria casa, apenas escombros e que teria que recomeçar do
nada.Mas o que é a vida? Não é um recomeçar infinito?
Fomos informados que o transporte chegaria em breve, voltaríamos para a Bósnia.
Só depois de começar a esvaziar o acampamento, foi que me encontrei co
Kalinka.Ela também foi uma das candidatas ao Miss Sarajevo, esteve mudando de
lugar durante meses.Quando começou a guerra ela estava de casamento marcado
com Tivy, um jovem e promissor jogador de futebol. A guerra adiou o sonho deles.
Eles estavam esperançosos em conseguirem uma nova casa, mas havia um
problema, apenas um dos dois poderia sair naquele dia, não havia garantia de
outra data, poderia ser nos próximos meses ou nos próximos anos.
Apenas o nome de Tivy estava na lista.
Kalinka chorou, sabia que poderia pedir para que o noivo ficasse, mas seria injusto
com ele, Tivy tinha um sonho, seria um astro do futebol.A itália concedeu
cidadania ao rapaz, poderia se naturalizar italiano e defender a seleção. Ela
poderia ficar ali, esperar outra oportunidade.
Nina apareceu segurando na mão de um oficial, nunca saberemos onde ela o
encontrou ou o que ela lhe falou. O homem parecia ter saído de um filme, como um
personagem que entra em cena de forma triunfal, trazia uma garrafa de vinho e
Nina um pequeno buquê.
O oficial fez uma pequena reunião no acampamento, chamou Kalinka e Tivy e
proclamou:
-Senhoras e senhores, estamos aqui para celebrar o casamento de Kalinka e Tivy,
que nesse momento passam a ser cidadãos italianos.
Não me recordo de tudo o que vi, só me lembro de ter ouvido a voz de Kalinka,
repetindo dezenas de vezes: Sim, sim, sim...”

Os Escombros de Sarajevo

O dia estava clareando, percebi as pessoas caminhando na rua, já ouvia o barulho
dos ônibus. Pensei em deixar o restante da leitura para depois. Não consegui, eu já
entendia o que estava escrito:
“-Na manhã quente de junho, parti do campo de refugiados, voltava para
Sarajevo.
A cidade era escombros, entulho, lixo e marcas da guerra. As pessoas
trabalhavam, reerguiam suas casas e tentavam resgatar suas vidas.
Eu procurei por Nina. Durante meses, busquei sem sucesso o lugar onde ela disse
que morava.
Talvez eu ainda estivesse perturbada e tenha sonhado com tudo o que acho que vi.
Certamente, Nina era só uma fantasia de uma mente perturbada precisando de
conforto.
Depois de muitos anos, reconstruí minha vida, casei-me e tenho uma filha, uma
linda garotinha que dei o nome de Nina, homenagem ao sonho que me curou.
A gente não foge do destino.
Nina, minha filha se perdeu, saiu sozinha da escola e não voltou para casa.Entrei
em pânico, percorri Sarajevo, perguntei em todos os lugares, chamei a polícia,
bombeiros, paramédicos. Depois de horas, já a noite, encontrei um senhor idoso e
surdo, que acenava para mim e me indicava uma rua estreita.Rua Odredište.
Passei anos e anos procurando e sonhando com aquela rua, ela sempre esteve perto
de mim.Era exatamente como Nina me dissera no campo de refugiados, tudo
brilhava, a única casa da rua estava toda iluminada. No jardim, a flor que tem um
perfume, que só existe nesse lugar do mundo.
Encontrei minha filha Nina, ela olhava a flor e sorria, parecia ouvir alguém lhe
contar uma linda história.
Meu nome é Ninoska e agora sei que nasci em uma pequena rua de Sarajevo. ”
Eu não tinha compromisso naquele dia, pensei em levantar, mas voltei para a
cama.Fiquei pensando na história mágica que acabara de ler.

A Surpresa

Os dois dias se passaram eu tinha que voltar ao hospital, conversar com os médicos
sobre o meu tratamento. Com muito medo entei na sala do oncologista, ele me
recebeu com um sorriso que irradiava alegria e espanto, me disse apressado:
-Ninoska, por favor, me perdoe!
-Perdoar o quê doutor?
-Sim! Nós cometemos um grande equívoco.
Fiquei ainda mais assustada.
-Não sei onde erramos, você não tem doença alguma! É só gravidez!
Chorei, chorei, chorei...
Depois do susto, em poucos dias comecei no novo trabalho, Gustavo apareceu,
estava bonito como da primeira vez que o vi.Ficou feliz em saber que seria pai.
Disse a ele que seria uma menina.Ele lhe deu o nome; Nina.

Boa Noite, Mamãe

- Parabéns, mamãe! -O médico me falou colocando minha pequena Nina em meus
braços.
A família de Gustavo estava toda lá.
Aos poucos o quarto foi se enchendo de presentes e chegavam de vários lugares e
por fim, chegou um envelope, dentro, uma passagem para Sarajevo.
Seis meses depois embarquei para a Bósnia, fui só, Gustavo ficou com nossa Nina.
A viagem seria rápida.
Cheguei em Sarajevo em um dia quente e chuvoso, instalei-me em um hotel perto
do centro. Logo, arrumei minhas coisas nos armários e fui caminhar pela cidade.
Nada me parecia estranho em Sarajevo, era como se eu já conhecesse aquele lugar.
Fui procurar a Rua Odredište. Ninguém conhecia. Senti-me triste, como eu
poderia ter imaginado que tudo aquilo fosse real? Alguém estava me pregando
uma peça.
Voltei ao hotel e pedi para que me ajudassem a antecipar minha passagem de
volta.
Já que estava ali, fui ver o céu estrelado de Sarajevo e caminhei por alguns
quarteirões. Avistei um velho magro me pareceu familiar. Era ele mesmo! Ele
estava com a garotinha no Metrô!
Ele saiu caminhando depressa, como pedindo para que eu seguisse, eu o segui, na
entrada de uma pequena rua, parou, me apontou a placa e desapareceu. A rua
existia!
Entrei na rua e tudo se iluminou, exatamente como descreveu Ninoska em seu
diário.
Realmente, só havia uma única casa e estava maravilhosamente iluminada
também. Circundei o muro, era tudo tão bonito. A rua parecia que havia sido
encerada, preparada para uma grande festa. O jardim era incrível, um banco
grande, uma mesa de madeira, como preparada para acomodar uma grande
família.
A flor que só brotava naquela árvore, naquele lugar do mundo, estava brilhando e
exalava um perfume maravilhoso e aquele perfume, tive a certeza já tê-lo sentido.
Sentei-me no banco e fiquei olhando e lembrando de tudo, a garota do trem que
me curou era a mesma garota que curou a outra Ninoska no acampamento. Nina
curou todos naquele campo de refugiados. Nina era nossa mãe, nossa irmã.
Nina é o que alguns chamam de anjo, outros de seres de luz. Só tenho uma certeza,
existem milhares de Ninas espalhadas pelo mundo. Sempre vai existir uma Nina
que deixa dinheiro sobre um banco de alguma estação para que uma pobre alma
possa pagar sua passagem de volta pra casa. Sempre vai existir uma Nina que ama
e dedica a vida para proteger animais indefesos. Sempre vai existir uma Nina que
é acometida por malária nos confins da África, cuidando de homens e mulheres
vítimas do abandono e da violência.Eu sei que existem muitas Ninas que caminham
pelas ruas desertas e geladas das grandes cidades oferecendo carinho e alimento
aos sem-teto. Todas as Ninas sabem que nós humanos não temos nada, que um ser
humano é dono apenas daquilo que carrega dentro de si.
Para alguns Nina é um milagre, eu prefiro acreditar que Nina é uma magia da
natureza. Nina é a vida.E o que é a vida senão uma grande mágica?
Agora eu estava ali, tinha certeza que aquele era o meu lugar.Dentro da casa ouvi
diversas vozes. Aos poucos as luzes da casa foram se apagando, uma voz delicada e
doce desejava boa noite:
-Boa noite, meninas!
Eu podia ouvir muitas daquelas vozes e sabia que as conhecia:
-Boa noite, mamãe!
Novamente uma voz respondia:
-Boa noite, mamãe!
E novamente:
-Boa noite, mamãe!
Até que só restou acesa a luz da flor e pude ouvir claramente a voz:
-Boa noite, Ninoska!
Fez-se um breve silêncio e novamente aquela voz insistia em querer a resposta:
-Boa noite, Ninoska!
Demorei um pouco para perceber que aquela voz se dirigia à mim e com o coração
cheio de amor e a garganta trancada pela emoção, então, timidamente respondi:
-Boa noite, mamãe.
A luz da flor apagou.
Meu Nome é Ninoska e nasci em Sarajevo.
FIM

Monday, May 08, 2017

Contos Eróticos Infantis – Fotografias de Mulher Nua e Casamentos

Foto :Internet

Eu me lembro que houve um ano, lá nos anos setenta, que o inverno foi demasiadamente rigoroso. O vento gelado soprou por dias sem parar, a garoa era intermitente, a sensação era de inverno polar.
Aquele inverno entrou em meus ossos e acho que nunca mais saiu.
Me recordo de uma sexta-feira, em que fui à feira e ao Supermercado ki-Preço com minha tia.Na volta para casa,eu estava congelando,minhas orelhas estavam duras e minhas mãos ficaram totalmente roxas,eu estava tendo hipotermia.Quando chegamos em casa,a primeira coisa que minha tia fez,foi providenciar uma toalha, onde enrolou minhas mãos e depois aqueceu com o ferro de passar roupas.
Depois do susto e já devidamente recuperado, fiquei a tarde inteira vendo televisão, até que Miltinho gritou no portão:
- Marquinhos!Marquinhos! Tenho uma novidade!
Imaginei... lá vinha encrenca.
Miltinho, como sempre que algo diferente estava prestes a acontecer, estava eufórico, mesmo naquele frio desgraçado, vestia apenas um calção e uma camiseta. Estava suado de tanto bater de porta em porta, contando a novidade e fazendo um convite:
- Minha avó vai casar!Minha mãe está convidando todo mundo! - Miltinho estava feliz.
- Ué, mas sua avó já não é casada? Minha prima perguntou.
Com ar de superioridade, Miltinho respondeu:
- E daí? Tem gente que já se casou tantas vezes, olha sua tia Petronila!
Tia Petronila já estava no oitavo casamento, todos os seus ex-maridos sempre tiveram mais de 80 anos, Tia Petronila, tinha vinte e dois anos. Tia Petronila nunca teve boa reputação na vizinhança.
Aquela conversa já estava tomando outros rumos, minha tia me mandou saber da mãe de Miltinho que história era aquela. Mesmo reclamando do frio, lá fui eu.
Já na casa de Miltinho, sua mãe me explicou que, a avó de Miltinho, sua mãe, realmente resolveu marcar a data do casamento e que depois, com mais tempo, falaria o motivo.
Miltinho contou para sua mãe o que havia me acontecido pela manhã e que minha tia havia esquentado minhas mãos com o ferro de passar roupas. A mãe de Miltinho foi lá no quartinho dos fundos da casa e voltou com um capote nas mãos.Ela me disse que aquele capote iria me manter aquecido quando fosse à rua e que o capote havia sido de sua mãe,a noiva.
Confesso que quase recusei o capote, não era feio, um tanto feminino e parecia muito antigo. O frio lá fora falou mais alto. O danado do capote realmente esquentava.
Ao chegar em cassa e tirar o capote,descobri coisas nos bolsos. Havia moedas sem valor, um terço de Nossa Senhora de Fátima e para minha surpresa e alegria, um bolso camuflado no forro onde estava escondido um envelope já amarelado. Dentro do envelope a felicidade, seis fotografias de uma linda moça nua.
É óbvio que as fotografias me chamaram à atenção e aguçaram minha criatividade adolescente.
As seis fotografias da moça nua me acompanharam por semanas, toda hora eu ia  olhá-las e admirar a beleza daquela moça. E eu admirava bastante...
Fiquei curioso em descobrir quem era a pessoa retratada nas fotografias. No começo, pensei se tratar de alguma artista, mas aos poucos fui achando aquele rosto familiar.
Durante dias, escondi de todos, aquele delicioso segredo, mas para fazer inveja a Miltinho, resolvi lhe contar, e ele, claro, insistiu para que eu lhe mostrasse as fotografias imediatamente. Quando abriu o envelope, Miltinho quase morre de susto e gritou:
- Marquinhos, caramba!É minha vó!
Bem... Bem... Bem... Não vou narrar aqui a conversa que se seguiu depois. Pularemos esta parte.

Miltinho e eu, tomados pela surpresa, resolvemos mostrar as fotos de sua avó para sua mãe.
Não sabíamos como começar as perguntas, estávamos sem jeito, afinal de contas, portávamos um “terrível” segredo familiar.
A mãe de Miltinho, como sempre, muito desconfiada de nós, sem nenhuma formalidade perguntou:
-Tá bom, o que vocês estão escondendo, o que aprontaram desta vez?
Eu estava envergonhado em ter que mostrar fotografias de uma moça nua para uma senhora.
- Mãe, o Marquinhos achou umas fotos da vovó, ela está peladona!
A sala estava repleta de pessoas que faziam os preparativos da festa de casamento da avó de Miltinho, que seria no dia seguinte.
Fomos pegos de surpresa com a presença e com a gargalhada do avô de Miltinho,que não percebemos,estava no fundo da casa. Caminhando em nossa direção , gritou para a esposa que estava na cozinha:
- Minha velha, venha cá! Os meninos encontraram seus retratos!

A avó de Miltinho veio caminhando devagar, estava ruborizada. O avô de Miltinho acomodou-a ao seu lado no sofá. Ele pegou um cinzeiro, acendeu um cigarro, pegou seu copo de cerveja e nos convidou a ouvirmos sua história e de sua noiva:
- Eu era um rapaz bem apessoado, naquele tempo dirigia um caminhão, entregava todo tipo de produto naquele sertão bravo. Conheci muitos lugares e pessoas, vi de tudo na vida. Eu era um aventureiro, um conquistador. As garotas corriam atrás de mim. Aonde eu chegava com meu FNM, logo chamava a atenção. Não parece, mas já fui o sonho de muita garota.
Íamos ouvindo e ríamos com sua risada. O avô de Miltinho era um homem diferente. A cada pausa na história dava uma tragada no cigarro, que logo deixava no cinzeiro e recomeçava:
- Um dia, vindo de Caetité, resolvi subir a serra e passei por Paramirim. Assim que cheguei, parei o caminhão no posto de combustível e atravessei a rua. Quando fui entrar na venda, tive que esperar uma moça passar, a porta da venda era muito pequena, não passavam duas pessoas ao mesmo tempo. Sorri para ela e a segui com os olhos, lá na frente, vi que ela olhava para trás. Já falei que eu era conquistador?
Sorrimos todos.
Aquele homem, pouco a pouco foi mudando o tom de sua voz, falando mais baixo e abraçando sua noiva, que cada vez, ficava mais próxima dele. Ele a abraçava com ternura,como se tivesse medo de quebrá-la,como se ela fosse uma flor de pétalas delicadas. Ela era, era mesmo.


 Afagando os cabelos dela ele continuou:
-A cada vez que passava por Paramirim, eu fazia o possível e o impossível para vê-la. Só depois de meses é que descobri onde aquela moça morava. Então, passei a circular pela rua de sua casa. Demorou mais do que eu esperava, mas um dia ela falou comigo.
A avó de Miltinho continuava ruborizada e sorria timidamente aconchegada ao noivo, ouvia sua história de amor sendo contada para os filhos, netos e alguns amigos privilegiados.
- Mas tive uma decepção, gente. -Falou o avô de Miltinho – Ela era noiva!Estava de casamento marcado!
Mais uma surpresa, ficamos espantados e ainda mais curiosos.
-Eu estava apaixonado e quando ela me contou que iria se casar, não aguentei, fui pro bar de Telefone e tomei um pifão daqueles. E tem outra coisa, acabei conhecendo o pai dela e ele mesmo me convidou para o casamento da filha.
A avó de Miltinho sorriu e comentou:
-Acho que foi você quem se convidou.
O avô de Miltinho tomou mais um gole de cerveja e prosseguiu a narrativa:

- Bom, uma tarde, arrumei um jeito pra poder falar com ela, nesse meio tempo, eu já sabia que ela também estava gostando de mim. Eu tinha certeza que ela não queria se casar com o malacafudo do Gil de Ribamar, um sujeito desclassificado. Mas esqueçam ele...
O avô de Miltinho foi bruscamente interrompido pela neta mais nova, que estava ansiosa pra saber como terminaria a história.
- Que demora vovô!Conta logo!
- Tudo bem. - o avô de Miltinho prosseguiu - Fui ao casamento, fui à igreja, assisti a cerimônia, escutei o sermão do padre, rezei o pai-nosso e bebi muita cachaça na festa. Chamei a noiva para uma conversa e lhe falei: Arrume suas coisas, vamos embora porque eu te amo.
Os olhos da avó de Miltinho estavam úmidos, as lágrimas já rolavam em seu rosto que parecia não querer envelhecer. Ela se aconchegava ainda mais nos ombros de seu noivo. Havia uma cumplicidade entre eles que era inexplicável.
- E pra terminar – disse o avô de Miltinho – fugimos para São Paulo e nunca nos casamos oficialmente, afinal de contas, a avó de vocês ainda estava casada. Agora que sabemos que Gil de Ribamar partiu desta para melhor, vamos nos casar.

A festa de casamento, os dois velhinhos no altar dizendo sim e trocando um beijo apaixonado, jamais sairá de minha memória.
Tempos depois, devolvi as fotografias para o avô de Miltinho.

- Marquinhos, não eram seis fotografias? Aqui só têm cinco!Miltinho me inquiriu.
-Não, são só cinco!
-Mentira!Eram seis!

Uma daquelas fotografias guardei como lembrança, pelo privilégio de ter conhecido uma incrível história de amor.
Hoje, já não há mais invernos intensos e nem mais histórias de amor como antigamente.


Sunday, February 12, 2017

Contos Eróticos Infantis O Padre Bianca

Contos Eróticos Infantis
O Padre Bianca
Imagem:Internet


   Todos nós, sem exceção, carregamos por toda a vida fatos marcantes de nossa infância. Um dia, lá na frente,vamos sentir saudades de lugares que visitamos,choraremos por coisas e pessoas que deixamos pra trás. Mas também, em algum momento, vamos sorrir das traquinagens e das loucuras infantis. A infância parece nunca ter fim e quando percebemos, somos adultos , amadurecemos, vemos que tudo valeu à pena e passamos a entender melhor a vida.

   Era o ano de 1978 e era época de Copa do Mundo na Argentina. Saíamos do Colégio Mário Rangel e corríamos para o campo do Águia, que ficava do outro lado da rua, na lateral da Igreja São José Operário. No campo, formávamos os times e disputávamos nossa copa do mundo particular.
   Somente aos domingos entrávamos na igreja, íamos à missa e depois, nos reuníamos no campo para nosso jogo sem fim.
   Miltinho e eu não gostávamos de ir à missa, só íamos aos domingos na missa das sete horas, por causa de Cleonice. Miltinho como sempre, desta vez apaixonara-se por ela, aliás, ele se apaixonava por uma nova garota a cada sete dias, sem nunca ter sucesso.
   Cleonice morava no Jardim Lilah e Miltinho me fazia andar quilômetros para passarmos pela rua detrás da casa dela para jogarmos pedra em seu telhado, era a maneira que ele achava que chamaria atenção. O que acabou também não dando certo. O Luiz do bar, percebendo nossa insistência, colocou Duque, seu cachorro pastor alemão para nos dar uma carreira. Miltinho, enfim, para o bem de minha saúde, desistiu de Cleonice.
   Miltinho eu e a turma do futebol, não éramos bem-vindos nas missas. O padre Emílio nos marcava sob pressão, nos vigiava o tempo todo e quando falávamos mais alto nos chamava à atenção. Foi em um desses domingos que o Padre Emílio apresentou uma nova pessoa para nossa comunidade, era Eliel. Eliel lhe ajudaria nas celebrações. Ele seria o novo diácono.
   Eliel lia os folhetos, cantava e também usava uma roupa igual a do padre. Ao ver Eliel falando para as pessoas na igreja, Miltinho perguntou em voz alta:
   - Padre Emílio, esse é o novo padre?
   Padre Emílio, rindo da pergunta de Miltinho e explicando calmamente, disse:
  - Não meu filho, ele é diácono, vai me ajudar nas coisas da igreja.
   Para surpresa de todos e nossa vergonha descomunal, Miltinho, lá do fundo da igreja gritou para o coitado do Padre Emílio:
   -Ele é padre sim! Ele usa vestido, igual ao senhor!
   O domingo foi de sol.

   Eliel gostava de futebol e junto com o Genésio, resolveu montar para nós um time de futebol. E era um time com uniformes e etc.
   Genésio não tinha uma boa reputação no bairro, diziam que ele era “macho e fêmea”. Usavas as unhas pintadas e quando conversava afeminava a voz.
   Eliel ficou muito amigo de Genésio, começou a passar várias horas por dia em sua casa,os dois eram fãs de Ney Matogrosso.Aquela súbita e estreita amizade despertou a curiosidade da molecada.Os meninos mais velhos faziam campana ao lado das janelas da casa de Genésio,tentando ver ou ouvir o que se passava lá dentro...

   Finalmente chegou o dia de estrearmos o time e os uniformes, estávamos ansiosos para a disputa de nossa primeira partida “oficial”. Genésio e Eliel nos davam as últimas instruções.
   O jogo começou e nada dava certo pra nós, só na metade do primeiro tempo, já perdíamos por três á zero! Manezinho, um conhecido malandro do bairro, também assíduo frequentador da casa de Genésio, gritava do lado do campo:
   - Ô Genésio! Ô Bianca! Arrumem esse time!
   Ouvimos os gritos de Manezinho, Miltinho olhou pra mim, olhei pro Alemão que olhou para o Adir,que olhou pro Ciro e ao mesmo tempo,tomados pela surpresa, nos perguntamos uns aos outros:
   - Bianca?!!
   Bianca era o nome de “guerra” de Eliel. Depois de nosso espanto, Manezinho nos revelou que ele, Genésio e Eliel, ganhavam um dinheiro extra, “conversando” dentro de carros com velhos ricos, lá na Avenida São Gabriel.

   O último domingo de novembro de 1978 foi o último dia em que vimos Eliel. Antes que a missa terminasse o Padre Emílio informou que era aniversário do Diácono Eliel e todos cantaríamos parabéns para ele. A igreja esta cheia, toda a comunidade estava presente naquele dia, os times que jogariam depois da missa, até o Manezinho estava lá.
   A banda começou a tocar o Parabéns pra Você, o padre começou a cantar, tudo caminhava para um final feliz, até que...Miltinho com a voz esganada puxou outro coro:
   - E pra Bianca nada?
   Nem seria necessário dizer que não houve festa.

   O tempo passou, o time acabou e o famoso campo do Águia deu lugar ao comércio e a uma agência do Bradesco. Anos depois soubemos da morte de Genésio, com uma doença grave, teve medo de morrer só, atirou-se de uma ponte.
   Passamos muitos anos sem notícias de Eliel, até que Miltinho voltando depois de trinta dias de férias em Governador Valadares, bateu na porta de casa de madrugada e me contou eufórico:
   - Marquinhos!Sabe quem eu vi?
   - Sei lá!
   - Marquinhos, encontrei o Eliel!
   - Onde?
   -No circo!
   - Ele tava fazendo o quê lá? Miltinho, ele te viu?
   - Ele é artista agora! O nome dele é Bianca Matogrosso!
   Deveria ser obrigatório haver sol em todos os lugares do mundo, todos os domingos.