Contos Eróticos
Infantis
O Padre Bianca
Imagem:Internet
Todos nós, sem exceção, carregamos por toda a vida fatos marcantes de
nossa infância. Um dia, lá na frente,vamos sentir saudades de lugares que
visitamos,choraremos por coisas e pessoas que deixamos pra trás. Mas também, em
algum momento, vamos sorrir das traquinagens e das loucuras infantis. A
infância parece nunca ter fim e quando percebemos, somos adultos , amadurecemos,
vemos que tudo valeu à pena e passamos a entender melhor a vida.
Era o ano de 1978 e era época de Copa do Mundo na Argentina. Saíamos do
Colégio Mário Rangel e corríamos para o campo do Águia, que ficava do outro
lado da rua, na lateral da Igreja São José Operário. No campo, formávamos os
times e disputávamos nossa copa do mundo particular.
Somente aos domingos entrávamos na igreja, íamos à missa e depois, nos reuníamos
no campo para nosso jogo sem fim.
Miltinho e eu não gostávamos de ir à missa, só íamos aos domingos na
missa das sete horas, por causa de Cleonice. Miltinho como sempre, desta vez apaixonara-se
por ela, aliás, ele se apaixonava por uma nova garota a cada sete dias, sem
nunca ter sucesso.
Cleonice morava no Jardim Lilah e Miltinho me fazia andar quilômetros
para passarmos pela rua detrás da casa dela para jogarmos pedra em seu telhado,
era a maneira que ele achava que chamaria atenção. O que acabou também não
dando certo. O Luiz do bar, percebendo nossa insistência, colocou Duque, seu
cachorro pastor alemão para nos dar uma carreira. Miltinho, enfim, para o bem de
minha saúde, desistiu de Cleonice.
Miltinho eu e a turma do futebol, não éramos bem-vindos nas missas. O
padre Emílio nos marcava sob pressão, nos vigiava o tempo todo e quando falávamos
mais alto nos chamava à atenção. Foi em um desses domingos que o Padre Emílio apresentou
uma nova pessoa para nossa comunidade, era Eliel. Eliel lhe ajudaria nas celebrações.
Ele seria o novo diácono.
Eliel lia os folhetos, cantava e também usava uma roupa igual a do padre.
Ao ver Eliel falando para as pessoas na igreja, Miltinho perguntou em voz alta:
- Padre Emílio, esse é o novo padre?
Padre Emílio, rindo da pergunta de Miltinho e explicando calmamente, disse:
- Não meu filho, ele é diácono, vai me ajudar nas coisas da igreja.
Para surpresa de todos e nossa vergonha descomunal, Miltinho, lá do
fundo da igreja gritou para o coitado do Padre Emílio:
-Ele é padre sim! Ele usa vestido, igual ao senhor!
O domingo foi de sol.
Eliel gostava de futebol e junto com o Genésio, resolveu montar para nós
um time de futebol. E era um time com uniformes e etc.
Genésio não tinha uma boa reputação no bairro, diziam que ele era “macho
e fêmea”. Usavas as unhas pintadas e quando conversava afeminava a voz.
Eliel ficou muito amigo de Genésio, começou a passar várias horas por
dia em sua casa,os dois eram fãs de Ney Matogrosso.Aquela súbita e estreita
amizade despertou a curiosidade da molecada.Os meninos mais velhos faziam
campana ao lado das janelas da casa de Genésio,tentando ver ou ouvir o que se
passava lá dentro...
Finalmente chegou o dia de estrearmos
o time e os uniformes, estávamos ansiosos para a disputa de nossa primeira
partida “oficial”. Genésio e Eliel nos davam as últimas instruções.
O jogo começou e nada dava certo pra nós, só na metade do primeiro tempo,
já perdíamos por três á zero! Manezinho, um conhecido malandro do bairro, também
assíduo frequentador da casa de Genésio, gritava do lado do campo:
- Ô Genésio! Ô Bianca! Arrumem esse time!
Ouvimos os gritos de Manezinho, Miltinho olhou pra mim, olhei pro Alemão
que olhou para o Adir,que olhou pro Ciro e ao mesmo tempo,tomados pela surpresa,
nos perguntamos uns aos outros:
- Bianca?!!
Bianca era o nome de “guerra” de Eliel. Depois de nosso espanto, Manezinho
nos revelou que ele, Genésio e Eliel, ganhavam um dinheiro extra, “conversando”
dentro de carros com velhos ricos, lá na Avenida São Gabriel.
O último domingo de novembro de 1978 foi o último dia em que vimos Eliel.
Antes que a missa terminasse o Padre Emílio informou que era aniversário do Diácono
Eliel e todos cantaríamos parabéns para ele. A igreja esta cheia, toda a
comunidade estava presente naquele dia, os times que jogariam depois da missa, até
o Manezinho estava lá.
A
banda começou a tocar o Parabéns pra Você, o padre começou a cantar, tudo
caminhava para um final feliz, até que...Miltinho com a voz esganada puxou outro
coro:
- E pra Bianca nada?
Nem seria necessário dizer que não houve festa.
O tempo passou, o time acabou e o famoso campo do Águia deu lugar ao
comércio e a uma agência do Bradesco. Anos depois soubemos da morte de Genésio,
com uma doença grave, teve medo de morrer só, atirou-se de uma ponte.
Passamos muitos anos sem notícias de Eliel, até que Miltinho voltando
depois de trinta dias de férias em Governador Valadares, bateu na porta de casa
de madrugada e me contou eufórico:
- Marquinhos!Sabe quem eu vi?
- Sei lá!
- Marquinhos, encontrei o Eliel!
- Onde?
-No circo!
- Ele tava fazendo o quê lá? Miltinho, ele te viu?
- Ele é artista agora! O nome dele é Bianca Matogrosso!
Deveria ser obrigatório haver sol em todos os lugares do mundo, todos os
domingos.