Trecho da peça Sombras no Jardim
CENA 6
Locutor - Este
programa tem o oferecimento do bar planeta saudade, o lugar onde você põe sua
alma e seu coração em um copo.
Locutor - E agora
vamos falar com a última ouvinte da noite.Será que ainda tem alguém na linha?
Toca o telefone
Locutor - Boa noite
princesa!
Rosa Pequena - Alô?
Locutor - Alô
princesa!Você está aí?
Rosa Pequena – Alô?
Senhor Solidão?
Locutor - Sim
princesa! Estou te ouvindo, qual o teu apelido?
Rosa Pequena - Rosa
Pequena!
Locutor - Que
delicadeza... Rosa Pequena... Que belo!
Você fala de que
lugar pequena flor?
Rosa Pequena- Jardim Ângela,
São Paulo.
Locutor - Conheço o Jardim
Ângela. Tenho alguns amigos que moram aí.
Tudo bem com você Rosa
Pequena?
Rosa Pequena -Vou
indo.
Locutor - Você está
com a voz triste. Está com sono?
Rosa Pequena – Não,
estou cansada.
Locutor - E porquê
está acordada até essa hora?
Rosa Pequena - Estou
te ouvindo desde o começo do programa.E também não consigo dormir cedo.Aliás,
faz tempo que não durmo direito Senhor Solidão.
Locutor - O que houve
princesa? Me conte o motivo de tanta solidão.
Rosa Pequena - É uma
longa história Senhor Solidão.
Locutor-Não tem
problema. Me conte. Quero conhecer tua alma de flor.
Rosa Pequena - Eu sou
solitária e viúva desde que me casei.
Locutor –Também foi
viúva de marido vivo?
Rosa Pequena –Sim. Isso
e mais um pouco.
Locutor – O que
aconteceu? Passou um oceano em sua vida?
Rosa Pequena - Um
terremoto.
Locutor - Me fale.
Rosa Pequena - Quando
conheci meu marido éramos dois jovens.Nos encontrávamos nos bailes de fins de
semana. Daí começamos a namorar. Inexperiente como toda adolescente, logo
engravidei. E pouco tempo depois nos casamos. Eu não o conhecia direito, foi
complicado. Um dia á noite eu estava sentada na porta de meu barraco, a polícia
chegou perguntando por ele.Eu disse que ele estava no trabalho e o policial me
disse: “que trabalho que nada dona, seu marido é ladrão!”.
Locutor-Que tranco
hein, princesa?
Rosa Pequena - Foi um
golpe duro. Meu marido não apareceu em casa nesta noite.No outro dia cedo, um
amigo dele veio me dizer que ele estava preso, que eu fosse visitá-lo por que a
coisa era feia (chorando).
Locutor-Não chore
princesa. Respire fundo.
Rosa Pequena -
(soluçando) Quando cheguei a delegacia, o delegado me perguntou se eu era
esposa dele eu confirmei.O delegado me disse que meu marido iria pegar no
mínimo 30 anos de cadeia.Afirmou que mataram um casal de idosos e duas crianças
numa chácara em Embú-Guaçu e que meu marido e seus comparsas eram suspeitos.
Não tínhamos dinheiro para pagar advogado. Ele foi pra prisão.
Locutor-Que choque
pequena rosa.Que choque.
Rosa pequena - Depois
disso, minha vida virou um inferno.Eu era obrigada a visitá-lo numa colônia
penal no interior, uma cidade longe, horas de viagem, muita humilhação,
cansaço, solidão...
( PAUSA)
Locutor - Quer falar
mais?
Rosa Pequena - Não
vou atrapalhar?
Locutor-Claro que não
linda rosa. Abra o coração.
Rosa Pequena - Meu
marido ficou 15 anos preso. Conseguiu uma liberdade condicional há quatro meses.
Fizemos muitos planos Senhor Solidão.Durante esses anos eu lutei só, criei meu filho,
construí uma casa, e agora, mesmo com todos os defeitos meu homem estava em
casa. Era um sonho.
Locutor - Você disse era,
pequena rosa?
Rosa Pequena - Sim Senhor
Solidão era. Ele nunca me amou, ele amava o crime. Há duas semanas foi morto
fugindo da polícia depois de fazer um sequestro relâmpago.
( PAUSA)
Locutor - Coisas da
vida linda rosa e eu não sei o que te dizer.
A única certeza que
tenho é que você não é a única nem será a última a passar por isso. Sim, com
certeza você sempre foi viúva.
Mas nem sempre temos
que aceitar as coisas como elas são. Ás vezes precisamos mudar o curso de nossa
história, mudar de bairro, de cidade, mudar a cor dos cabelos. Precisamos
procurar todos os meios pra enganarmos a solidão, ela nos acompanha, ela é uma
sombra que nos segue pela vida afora.
O que nós dois sabemos é que você agora é uma
mulher livre, sem amarras e sem grades. Você também pagou por crimes não
cometidos e é sua hora de viver. É sua hora de pegar seu pote de ouro no fim do
arco-íris, para cada dia basta seu mal e seus dias de alegria estão chegando. E
sei que você também sente isso.
Rosa Pequena - Sim, é verdade. . .
Locutor - Agora
entendo sua falta de sono. Não é medo da solidão, é a dúvida do que fazer com a
sua liberdade.
Rosa Pequena - Acho
que sim(sorrindo).
Locutor - Então,
quando o dia clarear prometa a si mesma colocar seu melhor vestido, uma flor
nos cabelos e sorrir para todos, uma rosa não é uma rosa se não se abrir e
soltar seu perfume para o mundo.
( Rosa Pequena Sorri)
Locutor - Boa sorte
linda Rosa Pequena do Jardim Ângela. Seja feliz você merece.
Rosa Pequena – Boa noite Senhor Solidão, obrigada.
Locutor - Eu te
agradeço por me mostrar seu coração linda flor.Um beijo.