Quando adolescente, fui
trabalhar no Itaim-Bibi,na fábrica de sapatos de um parente. Eu
ainda era praticamente uma criança, e claro,muitas coisas eu ainda
não entendia.
Ao lado da fábrica
havia dentre outras coisas, uma oficina de chaveiro,uma oficina
mecânica,um estúdio fotográfico e uma lanchonete.
Todos os dias ao cair
da tarde,reuniam-se ali na lanchonete, praticamente todos os homens
daquele pedaço da Rua Bandeira Paulista. Formou-se ali um verdadeiro
“Clube dos Cafajestes Tupiniquim”.Como não podia deixar de
ser,os assuntos eram os mais variados,desde a final do campeonato até
a última “beldade” na capa da revista Ele & Ela. Óbvio
também, que nunca ficavam de fora os comentários sobre as mulheres
que passavam por aquela parte da rua.
Sem perceber eu também
passei a fazer parte do “clube”.Participava das conversas,bebia
cerveja e até me arriscava em algumas “cantadas”.
Agora é que “ela”
vai entrar na história
Ela passava todos os
dias em frente a lanchonete,sempre no mesmo horário,levava uma
criança para uma escola na Rua Pedroso Alvarenga. Ela trabalhava em uma
casa de família na Rua Urussuí. Seu caminho era ir pela Rua
Bandeira Paulista e voltar pela Rua Tabapuã.
Quando ela surgia
carregando a criança pela mão,era o momento de maior “tensão”
no “clube”.
Ela era linda,o sonho
de todos os marmanjos que se reuniam na lanchonete do Zé Pinto.
Quando ela passava,dirigiam-lhe todo um dicionário de
elogios,pediam-lhe em casamento,assovios e outras tantas coisas que
nem posso citar neste texto. Quase todos os dias a cena se repetia.
Ela seguia
impassível,sabia do poder de encantamento que exercia sobre aquela
turba de “desocupados”.Não esboçava reação alguma,nenhum
gesto,um mínimo sinal de sorriso,caminhava altiva e serena,impávida
e colossal.
Depois que ela passava
seguiam-se os comentários;alguns diziam que ela já estava “no
papo”,que era questão de dias para conquistá-la,outros faziam
apostas apara ver quem a conquistaria primeiro.
Os dias,os meses
seguiam e nada acontecia. Ela continuava passando,o “clube “ se
alvoroçava e ela desaparecia na esquina. Novamente comentários e
apostas.
Da queda ao heroísmo
Eu estava lá, sozinho
na porta da fábrica,sozinho na rua,pronto para ir embora quando de
repente, ela surgiu na esquina. Meu coração quase escapou boca
afora. Ela vinha se aproximando,como numa cena de filme
romântico,parecia caminhar em câmera lenta. Quando passou por mim
tive coragem e mandei um Psiu!.Ela caminhou alguns passos ,virou-se
e voltou em minha direção. Daquela boca sensual soou a pergunta que
me jogaria no fogo do inferno da vergonha:
- O quê você quer
comigo menino?
Fiquei mudo,sem saber o
que responder. Como não havia pensado no que dizer depois do
psiu,balbuciei tremulamente:
-Nada não...
-Tudo bem.
-Nada não...
-Tudo bem.
Ela falou e se foi.
Como diria Mark
Twain ;as cortinas da vergonha caíram sobre essa cena...
Para minha sorte, não
havia testemunhas para essa fracassada e imbecil tentativa de
conquista.
A partir deste dia
passei a me esconder dela,quando era a hora dela passar,eu corria para os fundos da fábrica e inventava algo para fazer.
Essa estratégia em
esconder minha vergonha não durou muito tempo. Numa tarde de
novembro,sem que eu sequer imaginasse,os agentes do destino
conspiravam para minha redenção. Ela surgiu radiante,vestia uma
minissaia branca,tinha os cabelos molhados e parecia desfilar.
Aquela hora o"clube”
estava mais cheio do que nunca,havia mais membros,até o delegado
estava lá.
Tentei me refugiar,não
deu tempo,ela sorriu e parecia olhar para mim. Ela passou pelo “Clube
dos Cafajestes”,aproximou-se de mim e surpreendentemente lascou um
beijo em minha face rubra. Ela sorriu e falou:
-Oi menino bonito.
Fiquei estático,como
um objeto inanimado e olhando pra ela indo embora...
Depois que ela se
foi,todos correram em minha direção. Muitos gritavam vivas, outros
já preparavam os rojões, alguns já pensavam em chamar os
bombeiros para um desfile em carro aberto.
E assim me tornei o
herói do “clube”.
Ah! Ela? Não a vi
mais. Soube através de pessoas da Favela da Funchal, que ela engatou
um tórrido romance com o japonês do estúdio fotográfico. Mas
ainda guardo uma lembrança,uma foto dela em cenas picantes numa
página de uma revista erótica.