Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Monday, September 17, 2007

Vivo em São Paulo


                                                 Cidade de São Paulo vista da Estação Espacial Internacional !Fonte Estadão)



Vivo em São Paulo

Eu vivo em São Paulo
e às vezes me revolto.
Às vezes também me exalto,
às vezes protesto
e às vezes me calo.
É que eu moro em São Paulo.

Assim é São Paulo,
um mundo com outro mundo dentro.
Eu sofro em São Paulo,
com um futuro que vai ficando distante.
Às vezes choro quando chove em São Paulo.

Eu vivo em São Paulo
e com as luzes da madrugada
sempre me encanto.
Com as fardas cinzentas e hostis
eu sempre me espanto.
Também tenho medo em São Paulo.

Eu morro em São Paulo,
com o ar envenenado,
morro com o descaso.
Morro em São Paulo,
com a ignorância e a indiferença,
com as fábricas de solidão e desespero.
Morro todo dia em São Paulo.

Aqui é São Paulo,
das moças nos paredões,
dos doentes nos calçadões,
das periferias avermelhadas.
Aqui é São Paulo, cidade menina,
sempre esperando o primeiro beijo.
Também amo em São Paulo.

Monday, September 10, 2007

Trecho Da Peça Sombras No Jardim



Joana Preta Por Ela Mesma

Eu me chamo Joana Preta. Nasci em Diamantina, Minas Gerais. Nos meus documentos não consta o nome do meu pai.Minha mãe era uma mulher muito pobre e sem instrução.Desde criança, trabalhou na lavoura, não conheceu uma letra sequer do alfabeto.
Quando eu e meus irmãos estávamos crescidos minha mãe foi trabalhar em uma pousada e me levava para ajudá-la. O salário era insignificante, trabalhávamos somente para garantir o que comer.
Nunca tive tempo para brincar.E também não gosto muito de lembrar da infância que nunca tive.
Quando tinha quinze anos, trabalhava praticamente sozinha na pousada. Minha mãe já estava sem forças, não aguentava mais o trabalho, passava quase o dia inteiro escondida do patrão com medo de ser despedida, eu fazia todo o serviço sozinha pra proteger minha mãe e nosso parco sustento.
Numa tarde ensolarada senti meu coração bater diferente e minha alma de mulher aflorar.Ele entrou porta adentro. Vestia uma camisa impecavelmente branca, chapéu e óculos escuros.Um homem lindo, perfumado, sorridente.Meu coração de menina quase saiu pela boca, ele me olhou e sorriu. Fiquei encantada, sem poder de reação, nunca ninguém havia olhado e sorrido daquela maneira pra mim.
Lembro que ele conversou com o patrão, pegou a chave de um quarto e se foi. Mais tarde voltou mais bonito ainda. Usando um terno cinza, sapatos brilhando e exalando um perfume ainda mais cheiroso.Perguntou alguma coisa ao meu patrão e saiu.

No outro dia cedo eu servia o café para os hóspedes quando ele se sentou à mesa. Me disse bom dia e eu quase derrubei o bule de café, respondi timidamente com um sorriso.Ele perguntou meu nome eu lhe disse. Mas ele não me disse o seu.

Ele me olhava o tempo inteiro e eu retribuía, não entendia o que estava sentindo, sabia que queria ficar olhando pra ele, sentir aquele perfume.Meu corpo arrepiava.

Chegou o dia em que ele iria embora, me senti triste, nunca trocamos mais do que aquelas palavras da primeira manhã na pousada. Me senti muito triste.
Minha mãe me chamou lá nos fundos da pousada e me disse que o moço bonito queria me levar pra São Paulo.Que ele disse à ela que eu seria uma rainha na capital, que eu tinha uma beleza incomum, que eu seria uma estrela de cinema.Perguntei para minha mãe por que ela queria que eu fosse embora com ele se não o conhecíamos. Minha mãe me confessou. O moço a procurara e lhe oferecera dinheiro para poder me levar dali, e que ela sabia que sofreria muito, mas precisava do dinheiro e também queria minha felicidade.

Foi difícil dizer adeus à minha mãe.No momento de ir embora, senti um misto de ódio, curiosidade e saudade.Abracei meus irmãos e parti.

No caminho pra São Paulo, Dionísio (esse era seu nome, mas gostava que o chamassem de Tarzan), foi brincando comigo, conversando e me fazendo confiar.
Eu já imaginava morar numa daquelas casas enormes que eu via nas revistas da patroa, com muitos empregados a minha disposição, já me via estampando capas de revista, tudo como Tarzan prometera à minha mãe...

Quando descemos na rodoviária eu vi e me encantei com o colorido da metrópole. O corre-corre alucinado das pessoas nas ruas, os carros apressados, as luzes, os anúncios no alto dos edifícios. Percebi que a vida por aqui não para. Também viria descobrir depois que esta cidade é um grande coração, mas até então não sabia o lugar que este coração havia me reservado.
A primeira decepção veio quando conheci o primeiro lugar em que fiquei na cidade. Um hotel vagabundo na avenida Senador Queiróz. O lugar era sujo, com homens bêbados, mulheres seminuas caminhando de um lado à outro carregando copos cheios de bebida. O cheiro de álcool, de perfume barato e a fumaça dos cigarros infestavam o ambiente. Os homens quando me viram entrar no saguão pareciam querer me devorar com os olhos e falavam coisas que eu não compreendia. Tarzan mandou todos ficarem quietos, dizendo que eu era sua mina de ouro, de Diamantina.
Quando entrei no quarto, só havia uma velha cama bem larga e uma mesa pequena com uma imagem de São Jorge em cima. Mal coloquei os pés no quarto, Tarzan me agarrou, me jogou na cama, me violentou. Não gritei, não chorei, senti uma dor profunda na alma e muito, muito nojo. Não imaginava que fosse começar sofrendo assim, porque não sabia que o pior ainda estava por vir.

Tarzan me deixou ali naquela espelunca por vários dias, depois foi me buscar e me levou pra morar em um cômodo na Baixada do Glicério.
Todos os dias, a toda hora, Tarzan trazia um sujeito diferente e eu era obrigada a me deitar e fazer tudo o que o sujeito quisesse, era obrigada a me prostituir. Proibida de reclamar, senão Tarzan me espancava sem piedade. Também não podia ir embora, não tinha dinheiro. Não conhecia ninguém além do bandido do Tarzan, além do mais também não conhecia a cidade. Estava no inferno.

Durante muito tempo continuei sofrendo a escravidão que me fora imposta por Tarzan. Fui me acostumando, me condicionando a fazer sexo várias vezes por dia.Logo aprendi a beber e a usar drogas pra tentar esquecer o que me acontecia. Só que quando os efeitos do álcool e das drogas passavam, eu caía em depressão, chorava muito e sonhava com o dia em que despertaria daquele pesadelo.

Mas conheci Dona Vera...Um anjo, um anjo da rua...

Em uma noite de inverno, fazia muito frio e caía uma fina garoa. Tarzan me obrigou fazer “ponto” na Rua dos Timbiras. Fiquei lá durante muitas horas e naquela noite ainda não havia conseguido um único cliente. O Tarzan não me deixava ir embora enquanto não conseguisse algum dinheiro.Eu estava drogada, doente e mal podia parar em pé. Não estava mais suportando o peso do meu próprio corpo, cairia ali mesmo, na calçada molhada. Foi quando senti duas mãos quentes e macias me amparando. A pessoa falou algo em meu ouvido, colocou um cobertor sobre meus ombros e afagou minha cabeça. Colocou um copo em minha boca e era café com leite bem quente. Então vi que era uma mulher. Aquela senhora perguntou meu nome e se eu precisava de ajuda, e com um gesto com a cabeça respondi que sim. E meus dias de sofrimento terminaram ali, como por encanto, como um milagre. Bem ali, na calçada da Rua dos Timbiras.
Dona Vera me levou a um lugar muito amplo onde já estavam muitas pessoas. Umas meninas me receberam, cuidaram de mim e a única coisa que me perguntaram era se eu queria realmente largar aquela vida.

Depois de tudo o que me aconteceu passei muitos anos sofrendo com minha dor e minha solidão.
Soube que Tarzan foi assassinado em um bar da Avenida Mercúrio. Teve uma morte violenta, levou três punhaladas no peito. Não sinto nem raiva nem pena de Tarzan, acho que ele encontrou o que procurou a vida inteira.

Hoje trabalho no Mappin na Praça Ramos, sou demonstradora de cosméticos da Helena Rubinstein. Divido um pequeno apartamento com minha amiga Carmen, uma chilena.Nosso apartamento é pequenininho, bem diferente daquilo que me fora prometido tantos anos atrás, mas é aqui que sou quase feliz.Tenho bonecas espalhadas por todo canto, bibelôs, fotos nas paredes e todo tipo de quinquilharias que encontro nas feiras da Praça da República.

Tempos atrás conheci um rapaz. Se chama Vanderlício, ele tem um nome bem estranho, mas é uma linda pessoa, acho que me apaixonei.
Nos conhecemos na loja, ele me perguntou se eu havia saído de algum cartaz do Cine Comodoro.Me encantei.Aceitei um convite pra passear e ele me falou de sua triste história também.

Nossa historia começou quando o convidei para ir ao meu apartamento.Preparei um lanche pra nós. Nos sentamos um de frente pro outro e ficamos muito tempo em silêncio.Acho que imaginando o quanto havíamos sofrido, cada um à sua maneira. Me procurei dentro dos olhos de Vander. E ele me fez mulher.

No final do ano vamos à Diamantina. Vou voltar depois de tantos anos. Sinceramente não sei o que encontrarei por lá. Só sei que quero de volta, por apenas um instante, viver mais uma vez, um pouco daquele tempo em que também sofri muito, mas era mais feliz.