Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Wednesday, November 13, 2019

As Luvas do Goleiro


Imagem:internet

As Luvas do Goleiro

“ O tempo passa, torcida brasileira! ”
Fiori Gigliotti

Quando ainda éramos crianças, no Jardim São Bento, não acreditávamos que o tempo passaria tão depressa.
Nossa vida era brincar, a rua era o melhor lugar do mundo, mas quando chegavam as férias escolares, aí os dias não tinham fim.
Acordávamos cedo, a gente empinava pipa, rodava pião, jogava bolinha de gude; coisas normais naquele tempo. Na verdade, nossa maior paixão era a bola, os campinhos que improvisávamos, nossa paixão eram as partidas inesquecíveis, o sanduíche de mortadela e a tubaína depois dos jogos.
No fundo, sabíamos que nossa vida não era perfeita, muitos daqueles meninos não tinham nada, às vezes, nem o que comer. A miséria também vivia entre nós, era uma companheira constante e indesejada. Mesmo com nossa inocência, sabíamos que de algum modo, chegaria a hora do grande jogo e que teríamos que driblar a vida.
De todos nós, Topinha era o menino mais pobre, vivia com a mãe em um barraco no final da Rua Um, na beira do córrego.

Topinha também era o melhor goleiro do mundo, mesmo sem possuir as chuteiras, o uniforme e as luvas. Em toda e qualquer partida, era sempre o primeiro à ser escolhido. Com ele no gol, a chance de vencer era garantida. Ele era um menino, alto, magro, com reflexos rápidos e muita elasticidade nos movimentos. Topinha dizia que incorporava os grandes goleiros. Em alguns jogos, tornava-se Emerson Leão, da seleção brasileira, em outros, o argentino Fillol e nas grandes decisões ele se transformava em Sepp Maier, o grande goleiro da Alemanha.

A periferia crescia desordenadamente, era raro um final de semana em que não chegassem novos moradores no bairro. Até que um dia, com a chegadas de alguns novos moradores, também chegou o crime e percebemos que muitos de nós, perderiam a inocência.

Eram os anos setenta e inevitavelmente, também chegou a febre da discoteca e muitos meninos queriam ser John Travolta e assim as coisas foram tomando outro rumo. Os garotos com “cabelo bom”, queriam usar brilhantina, mas não tinham dinheiro para comprar. Um dos novos moradores, o Enéas bolou um plano e formou uma turma, foram roubar os vidros de brilhantina no Mercadinho do Shozu. Para o azar de Topinha, o plano deu certo.
Incentivado por Enéas, Topinha resolveu roubar um par de luvas de goleiro na Loja da Japonesa. Ele conseguiu, mas não contava com a presença de Naldo, um policial violento que fazia bicos no comércio do Capão Redondo.

Topinha escondeu as luvas sob a blusa enquanto Enéas e Romildo tiravam a atenção da japonesa. Ao sair da loja, correu beirando a barranco, Naldo colocou o pé na sua frente, Topinha perdeu o equilíbrio, caiu na ribanceira e ficou trespassado pelas vigas de aço que saiam de uma casa em construção. 

Meses depois, Topinha voltou para casa em uma cadeira de rodas, nos olhou com vergonha, arrependimento e imensa tristeza.
Quando crianças, sempre soubemos que vivíamos um sonho. Tínhamos medo de acordar e perder aquele estado permanente de felicidade. A gente vivia para sonhar. Hoje, depois de tantos anos, depois da infância, a gente descobre que é obrigado a sonhar para continuar vivo.

E como dizia o saudoso locutor: “ O tempo passa, torcida brasileira! E fecham-se as cortinas e termina o espetáculo! ”

Saturday, May 25, 2019

A Rainha da Fofoca

Foto:internet

A Rainha da Fofoca

É sabido que a fofoca sempre existiu desde os primórdios, mas o Brasil foi o país onde este artifício mais se expandiu.
Se existisse uma olimpíada de fofoca o brasileiro seria medalha de ouro em todas as modalidades, principalmente em fofoca à distância, arremesso de fofoca, fofoca em altura, salto triplo em fofoca, maratona de fofoca e muitas mais.
Também é do conhecimento de todos que em toda e qualquer rua do Brasil, reside pelo menos uma pessoa fofoqueira. Na minha rua não seria diferente.
Quando vim morar aqui neste bairro, conheci a fama de fofoqueira de Dona Dadá. A mulher sabia da vida de todo mundo. Tudo o que acontecia nas casas, nos bares, nas igrejas, ela dava um jeito de descobrir e espalhar aos quatro ventos. Dona Dadá não podia ver um grupo de pessoas que logo se aproximava e perguntava com seu talento nato para a especulação da vida alheia:
- O que é que vocês estão aprontando, hein?
E não adiantava esconder, em pouco tempo aquela conversa já virava assunto em todo lugar.
Eu tinha “um pé” atrás com Dona Dadá, o máximo que fazia era lhe dar bom dia, boa tarde e boa noite. Evitava ao máximo que ela tentasse puxar conversa comigo. E assim se passou muito tempo.
Depois de alguns anos, passei a trabalhar à partir de casa, então, comecei a receber muitos amigos, clientes e parceiros. Durante o dia e até altas horas da noite, pessoas entravam e saiam de minha casa.
Dona Dadá observava o entrai e sai de pessoas e cada vez que passava em frente à minha casa, dava um jeito de diminuir o passo para tentar captar algo.
Eu sabia que chegaria o dia em que ela não resistiria e viria especular, eu me esguiava dela, fingia mesmo não vê-la, só para não lhe dar assunto.
Mas não dava para fugir de Dona Dadá a vida toda...
Foi em uma tarde em que eu me despedia de alguns amigos, que Dona Dadá me pegou de surpresa. Acompanhada de uma amiga, veio caminhando de mansinho, passou por mim, deu uma olhadinha, um sorrisinho amarelado, até pensei que ela passaria direto, mas não.
Eu já me preparava para entrar e fechar o portão, quando de repente, me virei e Dona Dadá já estava tocando em minhas costas e perguntou:
-Tudo bem com você, rapaz?
Eu respondi que sim, que estava tudo bem. Mas ela já estava com a artilharia armada e prosseguiu:
-Tanto tempo que você mora aqui e nunca paramos para um papinho.
- Pois é - respondi.
Ela tinha uma técnica impressionante, poderia ser repórter investigativa:
- Todo dia vem bastante gente em sua casa, desculpe eu perguntar, mas você trabalha com o quê, filho?
Dona Dadá não imaginava que eu também havia me preparado para aquela hora fatídica, que sabia, chegaria um dia e com ar de vitória lhe respondi:
-Sou do crime! Sou o chefe do tráfico do bairro!
Para minha surpresa, Dona Dadá, deu um sorriso triunfal, foi embora sem falar mais nada comigo, colocou o braço no pescoço da amiga e falando baixinho, comentou:
-Não te falei “fia”! Ele é pastor da Igreja Universal!






Thursday, May 23, 2019

Descobrindo os Segredos


Imagem:internet


Um dia você acorda e passa a ver o mundo de outra forma.Tudo o que você pensou saber ontem,não passa de fantasia,era apenas um sonho que você viveu toda sua vida.
Em um dia qualquer do ano de 2006,recebi uma mensagem no extinto ORKUT,era uma pessoa que se identificou como Justine,disse que fazia parte de um grupo de ativistas por direitos humanos e que gostaria de contar com minha colaboração,de alguma forma.
Passei a receber informações que jamais imaginaria.Passei a conhecer o mundo real.
Eu acreditava em muita coisa,no que via em reportagens, no que lia em livros,percebi que cada um defende sua verdade e busca somente privilégios e poder.
Minha primeira participação com o grupo foi na chamada Primavera Árabe,foi aí que vi um mundo novo se descortinando e entendi verdadeiramente que a informação é poder.
Eu não acredito em quase ninguém,as pessoas ouvem mas não escutam,enxergam e não veem.
Eu achava que Teoria da Conspiração fosse coisa de maluco.Mas não é bem assim.Minha forma de pensar e enxergar o mundo,mudou no dia em que recebi um arquivo,alguns filmes e documentos que me fizeram passar dias encabulado. O mundo real é diferente!
Sinto imensa tristeza em ter tanta informação e não poder passar para todos,saber como as coisas funcionam é doloroso.Saber que uma guerra é programada,uma crise econômica é deflagrada em jantares,onde reúnem-se meia dúzia de homens poderosos,sem escrúpulos e sem remorsos.Esses mesmos poderosos que nos escondiam o progresso,que guardavam segredos milenares.Mas hoje,hoje está diferente.Eles sabem que tem um grupo de "malucos" de várias partes do mundo que se juntam e que  na frente de um computador e movem o mundo com as pontas dos dedos.Quantos governos caíram?Quantas verdades vieram à tona? E vem muito mais,acredite!
Talvez fosse interessante que todos conhecessem o mundo real, mas infelizmente,nem todos estão dispostos a sair do conforto da mentira que nos fazem engolir todos os dias.
Anonymous

Thursday, April 25, 2019

O Negro Pereira


Imagem :Internet

O Negro Pereira

O Negro Pereira chegou no Jardim São Bento em um dia de sábado, era um dia nublado e algumas pessoas corriam, trabalhando para terminar de cobrir o pequeno barraco que ele iria morar com sua mãe e seu irmão mais velho.
Negro Pereira era um rapazola, devia ter uns doze ou treze anos. Eu era mais novo. Nos tornamos grandes amigos. Nós éramos fãs de futebol e gostávamos de jogar bola.
O barraquinho onde morava Negro Pereira era paupérrimo, sem energia elétrica, sem banheiro, sem água encanada e o piso era de terra batida. Ele morava com sua mãe e Pelé, seu irmão mais velho, que só vinha para casa a cada quinze dias.
Dona Maria, mãe de Negro Pereira, era uma senhora negra, gorda, de fala meiga, de sorriso tímido e olhos tristonhos. Eu a achava parecida com Tia Anastácia, personagem de Monteiro Lobato, isso me fez nutrir ainda mais carinho por ela. Um dia, fui procurar o Negro Pereira para jogar futebol e a encontrei chorando, ela me disse envergonhada que chorava de fome. Depois desse dia, prometi a mim mesmo que ela nunca mais ficaria sem comer.
A casa onde eu morava, dava de fundos para uma viela. Sem que ninguém em casa notasse, eu enchia uma sacola com alguns mantimentos, que hoje seria uma espécie de cesta básica e entregava para o Negro Pereira.
Aos domingos e nas datas festivas, minha casa estava sempre cheia, vinham os parentes e era aquela comilança. Eu separava parte de tudo aquilo, que aliás, sempre sobrava, e levava para Dona Maria. Agradecida, ela me abraçava e me beijava os cabelos.
O mais interessante é que nunca, ninguém percebeu que eu tirava comida da dispensa.
Tempos mais tarde, chegaram novos moradores, novos barracos foram sendo construídos. Muitos jovens nas ruas do bairro e pouca atividade, logo formou-se uma quadrilha.
 Quando alguns rapazes aparecem com carros, roupas novas e dinheiro no bolso, muitos garotos sentiram-se atraídos, mas aqueles eram tempos nebulosos. Eram os anos setenta.
Mesmo com tão pouca idade, percebi que o Negro Pereira também estava disposto a encarar a vida no crime. Eu gostava dele como se fosse um irmão e não poderia deixar que fizesse besteira. Por ser de boa índole e ter um coração generoso, Negro Pereira me ouviu.
Aqueles eram tempos nebulosos. Anos setenta.
Era uma manhã de abril e um helicóptero sobrevoava os Jardins São Bento e Soraya. Viaturas e cavalos da polícia chegavam aos montes. Tudo estava cercado. Os primeiros tiros causaram uma correria generalizada e poucos curiosos, como nós, permaneceram observando o final da ação.
Negro Pereira e eu, olhávamos assombrados os soldados em seus cavalos, arrastando homens amarrados pelas mãos e pelos pescoços.
Quando enfim, o silêncio tomou conta daquele lugar, pudemos ver muitos dos nossos amigos. Todos mortos e mergulhados em sangue, estirados nos becos, nas ruas e nas portas de algumas casas.
Depois de presenciar tanta barbárie, Negro Pereira e eu, voltamos calados pra casa, não trocamos palavras, ele só me deu um abraço.
 Hoje, depois de tantos anos, mesmo com toda aquela cena de guerra, com a tristeza de tantas vidas abatidas, me sinto orgulhoso, acho que naquele dia, salvei uma.
 Negro Pereira e Dona Maria, mudaram-se do Jardim São Bento, Pelé, comprou uma casa no Grajaú.
Depois de muitos anos, encontrei Negro Pereira, ele estava trabalhando em uma estamparia na Vila Olímpia. Conversamos, bebemos uma cerveja e falamos da vida. E depois nunca mais...
Hoje, fiquei sabendo que meu amigo, Negro Pereira, faleceu há cinco anos, senti muito por não ter me despedido.
Mas esses também, são tempos nebulosos.


Tuesday, March 26, 2019

Sangue nos Olhos



 Está chegando!


" O namorado estava de joelhos e sob a mira da arma de Toinho. Lágrimas de impotência escorriam misturadas ao sangue que caía do supercílio ferido. Num gesto de desespero agarrou-se a perna de Toinho, tentando derrubá-lo.
O tiro covarde ecoou na noite trágica e sangrenta de domingo no Capão Redondo. Toinho impiedosamente puxou o gatilho e à queima roupa executou friamente o rapaz com um tiro na nuca.

A moça continuava desmaiada, o corpo machucado, vilipendiado e manchado pelo esperma dos dois estupradores. Com a boca cortada e um filete de sangue que ainda escorria pelo nariz.
Toinho, sob o olhar dos irmãos caminhou até onde estava a moça e atirou no rosto dela.
Sem serem vistos, os Ratinhos partiram em disparada para esconderem-se na mata do Colégio Adventista.
Em mais um final de semana de violência extrema e gratuita, duas famílias iriam chorar para sempre a morte de um jovem casal inocente que só queria se amar e se divertir. "

Monday, March 04, 2019

Contos Eróticos Infantis – Doutor Chicão


Imagem internet:

Lembro que era uma sexta-feira de um mês de abril, não me lembro qual foi aquele ano, acho que 1976 ou 1977, foi o dia em que ficamos sabendo que um médico iria começar a atender as pessoas do nosso bairro, seria inaugurado um ambulatório, perto do campo do Águia Futebol Clube.
O dia da inauguração foi um acontecimento.
Uma verdadeira procissão se encaminhou para lá, todos queriam conhecer o médico, Doutor Francisco das Chagas, ou como ele mesmo se intitulava, Doutor Chicão.
O Zenon foi com seu trio de forró, teve cachorro-quente, pipoca e distribuição de Cibalena.
Doutor Chicão era um homem alto, forte, jovem, estilo bonachão, gostava de conversar e contar piadas, conquistou todos nós.
Miltinho e eu, demoramos alguns dias para conhecê-lo, até Miltinho furar o pé em um prego nas caixas de banana do Mané Bananeiro.
A mãe de Miltinho correu para levá-lo ao ambulatório e eu, claro, também fui com eles.
Quando entramos no ambulatório, ficamos um pouco decepcionados, a gente achava que seria igual a um hospital, igual aos das novelas, com enfermeiras bonitas e tudo o mais, era só a casinha da Dona Valda que foi adaptada para ser o ambulatório. Mas era bacana!

- O que aconteceu meu rapaz? -Doutor Chicão, sorridente, perguntou para Miltinho.
- Furei o pé no prego do Mané!
Enquanto o médico fazia o curativo eu olhava o seu gabinete. Não havia muita coisa ali. O que realmente me chamou a atenção foi uma grande seringa com uma agulha enorme, um taco de sinuca e uma chuteira suja de barro, que ficavam no balcão, atrás da cadeira.
Ao reparar minha surpresa, o Doutor falou sorrindo
- Essa é a seringa da sorte e ninguém escapa dela.

Doutor Chicão só abria o ambulatório às sextas-feiras, durante o resto da semana, trabalhava em outros hospitais, nós, do bairro, ele atendia de graça. Doutor Chicão tratava de qualquer doença, resfriado, caganeira, pano branco, vertigem, hemorroidas e tirava lombrigas da bunda das crianças com papel higiênico. Até hoje, lembro do filho do Tomé de Lúcia, correndo com uma lombriga pendurada na bunda e Doutor Chicão correndo atrás dele para puxar.
Toda sexta-feira, quinze para às seis da tarde, ele olhava o relógio e gritava lá de dentro do gabinete:
- Todo mundo pra casa! Tenho compromisso no Bar de Ceará, sinuca, cerveja e mocotó me esperam! Até semana que vem!
Quando alguém reclamava, ele saía do gabinete com sua seringa da sorte e falava bem alto:
-Dona Mariquinha! Benzetacil pra todo mundo!
Era aquela correria porta afora.

Aos domingos, Doutor Chicão jogava no time do Nacional Futebol Clube. Era um zagueiro bruto, perna-de pau, suas únicas especialidades em campo eram, fazer pênalti e gol contra. Doutor Chicão não tinha piedade dos atacantes do time adversário e quando dava uma “entrada “mais dura e o pobre do adversário reclamava ele logo gritava:
- Se ficar reclamando, vai ter Benzetacil 1.200 na sexta-feira!
O coitado do jogador adversário, com a canela toda ralada, diante de tamanha ameaça, abaixava a cabeça e lhe pedia desculpas.
Depois de algum tempo, Miltinho me chamou a atenção para um fato curioso e que se tornaria corriqueiro:
- Marquinhos, você já percebeu que todo mundo que entra no gabinete do doutor sempre sai com a bunda doendo e a perna dura?
-Sim, eu sei.
-Porque será que só a Maria do Bundão é a única que sai sorrindo?
Maria do Bundão era na verdade, Maria do Rosário, por motivos óbvios, nós lhe demos esse carinhoso apelido, mas ela não sabia, ou fingia não saber. O que importa mesmo é que ela era linda, a moça mais bonita do bairro, sempre sorridente, simpática, educada. Maria do Rosário era fonte de inspiração para todos os marmanjos do bairro. Era nossa musa.
Todos foram percebendo a cumplicidade entre Maria do Rosário e o Doutor Chicão. Quando ele a via, abria um sorrisão. Ela também.
O mais interessante é que ela sempre era a última paciente do doutor, sempre a última a sair do ambulatório. E quando saía, arrumava a roupa e retocava o batom, enquanto o doutor trancava as portas.

Maria do Rosário era cobiçada pelo Sargento Pestana, um policial militar que também morava no bairro.
O Sargento Pestana era casado com Matilde, uma gordinha simpática que quando caminhava parecia uma minhoca rebolando. Matilde organizava festas para os rapazes mais velhos do bairro, mas só quando o sargento estava trabalhando, fazendo ronda. O sonho meu e de Miltinho era de um dia poder ir em uma festa da Matilde.
O Sargento Pestana vivia seguindo Maria do Rosário. Quando a via na rua, dirigia a viatura bem devagar e lhe fazia gracejos e propostas, vivia tentando puxar conversa, sem sucesso. Ninguém gostava do Sargento Pestana, acho que nem mesmo a Matilde.
O Sargento Pestana ficou furioso quando soube que a Maria do Rosário estava de namoro com o doutor.

Não sei se era por causa do tempo que era mais frio aquela época, mas ficávamos gripados constantemente. Minha prima tomava Xarope São João, ela adorava. Miltinho e eu também queríamos tomar. Um dia fomos ao Doutor Chicão e ficamos forçando a tosse até ele nos receitar Xarope São João. O xarope não era muito bom para curar tosse, mas nos deixava alegres, leves, sorridentes e com uma preguiça deliciosa, talvez pelo excesso de álcool que continha. Quando Doutor Chicão descobriu o verdadeiro motivo de gostarmos tanto do tal xarope, nos aplicou Benzetacil.
Doutor Chicão gostava muito do Duílio, com ele o doutor era complacente. Duílio era o artilheiro do Nacional Futebol Clube, como bebia demais, o doutor lhe receitava Pedialyte, soro infantil, para curar a ressaca e poder jogar no domingo.
Nunca esqueci desta receita...

Em uma tarde de sábado, um rapaz apareceu no Bar do Ceará. Disse que seu nome era José. Chegou sorridente, pagou refrigerante, cerveja e petiscos para todos, disse que acabara de se mudar para o bairro. Era um homem bem jovem, tinha uma cabeça enorme, grandes orelhas, os olhos também eram grandes e saltados, mas tinha uma boca miúda que não combinava com o resto do rosto. Miltinho tacou-lhe imediatamente um apelido, Zé Boquinha.
Zé Boquinha era solteiro, morava em uma casa bonita na Rua Alfredo Ometecidio, atrás da igreja São José Operário e tinha um SP2 amarelo. Logo começou a fazer festas em sua casa, festas estas que são inesquecíveis. Ás vezes, convidava alguns amigos e até Miltinho e eu fomos algumas vezes.

Lembro de um carnaval. Doutor Chicão organizou uma batucada e saímos em cortejo pelo bairro, depois fomos todos para a casa de Zé Boquinha. Foi uma grande festa e ainda sinto como se ela nunca tivesse terminado.
Meses depois do carnaval, não me lembro o motivo pelo qual Miltinho e eu fomos ao ambulatório. Sei que lá, encontramos Dona Julieta.
Dona Julieta tinha quatro filhas, todas bonitas, um pouco assanhadinhas, é verdade. Ouvimos quando Dona Julieta falou com tristeza para o doutor:
- Doutor Chicão, minhas meninas não estão muito bem, estão com as barrigas inchadas, acho que é barriga d´água. O que o senhor pode fazer?
Doutor Chicão ouviu atentamente o lamento de Dona Julieta e lhe falou:
-Fique tranquila. É a água do poço. Antes de beber, ferva. Mas de qualquer forma, traga suas meninas aqui.
Enquanto o doutor tranquilizava Dona Julieta, Miltinho me cutucava e dizia baixinho:
- Marquinhos.
- O que é Miltinho? Eu lhe perguntava.
Percebi que Miltinho estava preocupado e que estava querendo falar com o doutor. Ele não resistiu e gritou:
- Doutor! Elas beberam a água da casa do Zé Boquinha!
- Como é, Miltinho? Que conversa é essa? Perguntou o doutor, olhando para o rosto já pálido de Dona Julieta.
Incentivado pela pergunta do doutor, Miltinho contou um terrível segredo:
-Sim, doutor, a água da casa do Zé Boquinha! Nós ouvimos ele falar para as meninas de Dona Julieta, “vamos tomar uma aguinha, lá em casa, quem bebe da água lá de casa, nunca mais esquece”.
Silêncio, silêncio, silêncio e mais silêncio...
Tempos depois, para nossa tristeza, alguns homens vieram com jipes, tratores e caminhões, chegaram na surdina, em uma madrugada e derrubaram o ambulatório do Doutor Chicão.
O Sargento Pestana falava com cara de mau, sorrindo e orgulhoso que acabou com o médico comunista e subversivo.
Passamos dias com infinita tristeza, com pena e saudades do nosso médico e amigão.
Para nossa alegria, dias depois, vimos Maria do Rosário, com uma mala, embarcando em um carro, lá dentro, além do motorista, havia outra pessoa, Doutor Chicão. Ficamos tristes por ele ir embora, também porque levou nossa musa, mas ficamos felizes por ter ido em paz e por ficarmos livres de suas terríveis injeções de Benzetacil.
Nunca mais tivemos notícias de Doutor Chicão e Maria do Rosário. Acreditamos que foram felizes. Eles mereciam e eram pessoas especiais.
Zé Boquinha, encontrei muitos anos depois em um baile de carnaval do Arakan Clube, estava fantasiado de Adão rodeado por um grupo de garotas vestidas de Eva.
Hoje, sei que nós humanos também somos movidos pela saudade.
Mas como dizia Doutor Chicão: “não há medicina, nem esparadrapo, nem bandagem ou Penicilina que possa curar uma ferida que se chama saudade”.


Tuesday, February 05, 2019

Exclusivo! Adélio Bispo Falou


Adélio Bispo de Oliveira falou com o repórter Pedro Riveros e relatou todo o plano para matar Bolsonaro.
Logo mais,neste blog.