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O Negro Pereira
O Negro
Pereira chegou no Jardim São Bento em um dia de sábado, era um dia nublado e
algumas pessoas corriam, trabalhando para terminar de cobrir o pequeno barraco
que ele iria morar com sua mãe e seu irmão mais velho.
Negro
Pereira era um rapazola, devia ter uns doze ou treze anos. Eu era mais novo.
Nos tornamos grandes amigos. Nós éramos fãs de futebol e gostávamos de jogar
bola.
O
barraquinho onde morava Negro Pereira era paupérrimo, sem energia elétrica, sem
banheiro, sem água encanada e o piso era de terra batida. Ele morava com sua
mãe e Pelé, seu irmão mais velho, que só vinha para casa a cada quinze dias.
Dona Maria,
mãe de Negro Pereira, era uma senhora negra, gorda, de fala meiga, de sorriso
tímido e olhos tristonhos. Eu a achava parecida com Tia Anastácia, personagem
de Monteiro Lobato, isso me fez nutrir ainda mais carinho por ela. Um dia, fui
procurar o Negro Pereira para jogar futebol e a encontrei chorando, ela me
disse envergonhada que chorava de fome. Depois desse dia, prometi a mim mesmo
que ela nunca mais ficaria sem comer.
A casa onde
eu morava, dava de fundos para uma viela. Sem que ninguém em casa notasse, eu
enchia uma sacola com alguns mantimentos, que hoje seria uma espécie de cesta
básica e entregava para o Negro Pereira.
Aos domingos
e nas datas festivas, minha casa estava sempre cheia, vinham os parentes e era
aquela comilança. Eu separava parte de tudo aquilo, que aliás, sempre sobrava,
e levava para Dona Maria. Agradecida, ela me abraçava e me beijava os cabelos.
O mais
interessante é que nunca, ninguém percebeu que eu tirava comida da dispensa.
Tempos mais
tarde, chegaram novos moradores, novos barracos foram sendo construídos. Muitos
jovens nas ruas do bairro e pouca atividade, logo formou-se uma quadrilha.
Quando alguns rapazes aparecem com carros, roupas
novas e dinheiro no bolso, muitos garotos sentiram-se atraídos, mas aqueles
eram tempos nebulosos. Eram os anos setenta.
Mesmo com
tão pouca idade, percebi que o Negro Pereira também estava disposto a encarar a
vida no crime. Eu gostava dele como se fosse um irmão e não poderia deixar que
fizesse besteira. Por ser de boa índole e ter um coração generoso, Negro
Pereira me ouviu.
Aqueles eram
tempos nebulosos. Anos setenta.
Era uma
manhã de abril e um helicóptero sobrevoava os Jardins São Bento e Soraya.
Viaturas e cavalos da polícia chegavam aos montes. Tudo estava cercado. Os
primeiros tiros causaram uma correria generalizada e poucos curiosos, como nós,
permaneceram observando o final da ação.
Negro
Pereira e eu, olhávamos assombrados os soldados em seus cavalos, arrastando
homens amarrados pelas mãos e pelos pescoços.
Quando
enfim, o silêncio tomou conta daquele lugar, pudemos ver muitos dos nossos
amigos. Todos mortos e mergulhados em sangue, estirados nos becos, nas ruas e
nas portas de algumas casas.
Depois de
presenciar tanta barbárie, Negro Pereira e eu, voltamos calados pra casa, não
trocamos palavras, ele só me deu um abraço.
Hoje, depois de tantos anos, mesmo com toda
aquela cena de guerra, com a tristeza de tantas vidas abatidas, me sinto
orgulhoso, acho que naquele dia, salvei uma.
Negro Pereira e Dona Maria, mudaram-se do
Jardim São Bento, Pelé, comprou uma casa no Grajaú.
Depois de
muitos anos, encontrei Negro Pereira, ele estava trabalhando em uma estamparia
na Vila Olímpia. Conversamos, bebemos uma cerveja e falamos da vida. E depois
nunca mais...
Hoje, fiquei
sabendo que meu amigo, Negro Pereira, faleceu há cinco anos, senti muito por
não ter me despedido.
Mas esses
também, são tempos nebulosos.