Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Thursday, April 25, 2019

O Negro Pereira


Imagem :Internet

O Negro Pereira

O Negro Pereira chegou no Jardim São Bento em um dia de sábado, era um dia nublado e algumas pessoas corriam, trabalhando para terminar de cobrir o pequeno barraco que ele iria morar com sua mãe e seu irmão mais velho.
Negro Pereira era um rapazola, devia ter uns doze ou treze anos. Eu era mais novo. Nos tornamos grandes amigos. Nós éramos fãs de futebol e gostávamos de jogar bola.
O barraquinho onde morava Negro Pereira era paupérrimo, sem energia elétrica, sem banheiro, sem água encanada e o piso era de terra batida. Ele morava com sua mãe e Pelé, seu irmão mais velho, que só vinha para casa a cada quinze dias.
Dona Maria, mãe de Negro Pereira, era uma senhora negra, gorda, de fala meiga, de sorriso tímido e olhos tristonhos. Eu a achava parecida com Tia Anastácia, personagem de Monteiro Lobato, isso me fez nutrir ainda mais carinho por ela. Um dia, fui procurar o Negro Pereira para jogar futebol e a encontrei chorando, ela me disse envergonhada que chorava de fome. Depois desse dia, prometi a mim mesmo que ela nunca mais ficaria sem comer.
A casa onde eu morava, dava de fundos para uma viela. Sem que ninguém em casa notasse, eu enchia uma sacola com alguns mantimentos, que hoje seria uma espécie de cesta básica e entregava para o Negro Pereira.
Aos domingos e nas datas festivas, minha casa estava sempre cheia, vinham os parentes e era aquela comilança. Eu separava parte de tudo aquilo, que aliás, sempre sobrava, e levava para Dona Maria. Agradecida, ela me abraçava e me beijava os cabelos.
O mais interessante é que nunca, ninguém percebeu que eu tirava comida da dispensa.
Tempos mais tarde, chegaram novos moradores, novos barracos foram sendo construídos. Muitos jovens nas ruas do bairro e pouca atividade, logo formou-se uma quadrilha.
 Quando alguns rapazes aparecem com carros, roupas novas e dinheiro no bolso, muitos garotos sentiram-se atraídos, mas aqueles eram tempos nebulosos. Eram os anos setenta.
Mesmo com tão pouca idade, percebi que o Negro Pereira também estava disposto a encarar a vida no crime. Eu gostava dele como se fosse um irmão e não poderia deixar que fizesse besteira. Por ser de boa índole e ter um coração generoso, Negro Pereira me ouviu.
Aqueles eram tempos nebulosos. Anos setenta.
Era uma manhã de abril e um helicóptero sobrevoava os Jardins São Bento e Soraya. Viaturas e cavalos da polícia chegavam aos montes. Tudo estava cercado. Os primeiros tiros causaram uma correria generalizada e poucos curiosos, como nós, permaneceram observando o final da ação.
Negro Pereira e eu, olhávamos assombrados os soldados em seus cavalos, arrastando homens amarrados pelas mãos e pelos pescoços.
Quando enfim, o silêncio tomou conta daquele lugar, pudemos ver muitos dos nossos amigos. Todos mortos e mergulhados em sangue, estirados nos becos, nas ruas e nas portas de algumas casas.
Depois de presenciar tanta barbárie, Negro Pereira e eu, voltamos calados pra casa, não trocamos palavras, ele só me deu um abraço.
 Hoje, depois de tantos anos, mesmo com toda aquela cena de guerra, com a tristeza de tantas vidas abatidas, me sinto orgulhoso, acho que naquele dia, salvei uma.
 Negro Pereira e Dona Maria, mudaram-se do Jardim São Bento, Pelé, comprou uma casa no Grajaú.
Depois de muitos anos, encontrei Negro Pereira, ele estava trabalhando em uma estamparia na Vila Olímpia. Conversamos, bebemos uma cerveja e falamos da vida. E depois nunca mais...
Hoje, fiquei sabendo que meu amigo, Negro Pereira, faleceu há cinco anos, senti muito por não ter me despedido.
Mas esses também, são tempos nebulosos.