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As
Luvas do Goleiro
“
O tempo passa, torcida brasileira! ”
Fiori
Gigliotti
Quando
ainda éramos crianças, no Jardim São Bento, não acreditávamos que o tempo
passaria tão depressa.
Nossa
vida era brincar, a rua era o melhor lugar do mundo, mas quando chegavam as
férias escolares, aí os dias não tinham fim.
Acordávamos
cedo, a gente empinava pipa, rodava pião, jogava bolinha de gude; coisas
normais naquele tempo. Na verdade, nossa maior paixão era a bola, os campinhos
que improvisávamos, nossa paixão eram as partidas inesquecíveis, o sanduíche de
mortadela e a tubaína depois dos jogos.
No
fundo, sabíamos que nossa vida não era perfeita, muitos daqueles meninos não
tinham nada, às vezes, nem o que comer. A miséria também vivia entre nós, era
uma companheira constante e indesejada. Mesmo com nossa inocência, sabíamos que
de algum modo, chegaria a hora do grande jogo e que teríamos que driblar a
vida.
De
todos nós, Topinha era o menino mais pobre, vivia com a mãe em um barraco no
final da Rua Um, na beira do córrego.
Topinha
também era o melhor goleiro do mundo, mesmo sem possuir as chuteiras, o
uniforme e as luvas. Em toda e qualquer partida, era sempre o primeiro à ser
escolhido. Com ele no gol, a chance de vencer era garantida. Ele era um menino,
alto, magro, com reflexos rápidos e muita elasticidade nos movimentos. Topinha
dizia que incorporava os grandes goleiros. Em alguns jogos, tornava-se Emerson
Leão, da seleção brasileira, em outros, o argentino Fillol e nas grandes
decisões ele se transformava em Sepp Maier, o grande goleiro da Alemanha.
A
periferia crescia desordenadamente, era raro um final de semana em que não
chegassem novos moradores no bairro. Até que um dia, com a chegadas de alguns
novos moradores, também chegou o crime e percebemos que muitos de nós, perderiam
a inocência.
Eram
os anos setenta e inevitavelmente, também chegou a febre da discoteca e muitos
meninos queriam ser John Travolta e assim as coisas foram tomando outro rumo. Os
garotos com “cabelo bom”, queriam usar brilhantina, mas não tinham dinheiro
para comprar. Um dos novos moradores, o Enéas bolou um plano e formou uma
turma, foram roubar os vidros de brilhantina no Mercadinho do Shozu. Para o
azar de Topinha, o plano deu certo.
Incentivado
por Enéas, Topinha resolveu roubar um par de luvas de goleiro na Loja da
Japonesa. Ele conseguiu, mas não contava com a presença de Naldo, um policial
violento que fazia bicos no comércio do Capão Redondo.
Topinha
escondeu as luvas sob a blusa enquanto Enéas e Romildo tiravam a atenção da
japonesa. Ao sair da loja, correu beirando a barranco, Naldo colocou o pé na
sua frente, Topinha perdeu o equilíbrio, caiu na ribanceira e ficou trespassado
pelas vigas de aço que saiam de uma casa em construção.
Meses
depois, Topinha voltou para casa em uma cadeira de rodas, nos olhou com
vergonha, arrependimento e imensa tristeza.
Quando
crianças, sempre soubemos que vivíamos um sonho. Tínhamos medo de acordar e perder
aquele estado permanente de felicidade. A gente vivia para sonhar. Hoje, depois
de tantos anos, depois da infância, a gente descobre que é obrigado a sonhar para
continuar vivo.
E
como dizia o saudoso locutor: “ O tempo passa, torcida brasileira! E fecham-se
as cortinas e termina o espetáculo! ”