Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Tuesday, March 15, 2011

Wednesday, March 09, 2011

Cachaça Brava





 Imagem:Internet

Larga logo dessa vida João
vai procurar o que fazer
Teus meninos estão em casa
estão procurando o que comer
Dona patroa aturdida
puta da vida com você

Sai da porta do boteco João
acha um jeito pra viver
Sua barriga avantajada
mostra bem quem é você
mais um bebum de pé inchado
só acorda cedo pra beber

Deixa logo dessa vida João
vê se planta pra colher
Trem da vida vai passando
e ele vai te atropelar
A história nunca perdoou
quem se sentou pra reclamar

Tua cabeça tá à prêmio João
não vale um litro de dendê
Fila do inferno vai crescendo
já tem reserva pra você
e o capeta tá sorrindo João
esperando pra brindar
essa tua alma de otário
que viu na porta de um bar.

Tuesday, March 08, 2011

Zé Azul do Rio de Janeiro


   
Zé Azul do Rio de Janeiro


    Me lembro bem de como vim parar aqui. Foi depois de uma briga com meu pai. Meu pai? Meu pai era um homem violento e espancava todos em casa por qualquer motivo. Era proibido olhar no rosto de meu pai, ele não gostava. Meu pai não sorria, não chorava, nunca demonstrava emoção alguma, era impassível. Nunca o compreendi direito e confesso que também nunca quis fazê-lo.
    Meu pai bebia muito, aí as coisas ficavam um pouco piores. Humilhava minha mãe, dizia-lhe impropérios, ofensas e constantemente, agressões físicas.


    Foi em uma noite de São João que saí de casa.

    Meu pai estava descontroladamente bêbado. Estávamos em volta da fogueira na casa do Biquinha, na Rocinha, era uma festa agradável. Todos bebiam, dançavam forró e pareciam felizes. Aquela gente fazia questão de manter a tradição que traziam de suas cidades do nordeste.
    De repente sem nenhum motivo, como de costume, meu pai se levantou, dirigiu-se até a cadeira onde minha mãe estava sentada e deu-lhe um soco violento no rosto. Minha mãe caiu e meu pai ainda a chutou na barriga.
    Meu sangue ferveu, meus olhos se encheram de fúria e meu coração de ódio. Um ódio vivo e cristalino. Com o pedaço de madeira que eu estava alimentando o fogo, desferi-lhe um golpe na cabeça. Meu pai caiu na fogueira e não conseguiu se levantar.
    Algumas pessoas correram pra socorrer minha mãe, outras meu pai, eu fique ali, sem rumo, sem falar nada.
   Coloquei o pedaço de madeira na fogueira, dei um beijo em minha mãe e saí andando.

   Nunca mais voltei pra casa. Nunca mais fui a mesma pessoa. Carrego na alma um pouco de culpa, de revolta e principalmente solidão.
  Vivo nas ruas usando roupas feitas de saco de lixo azuis. Me chamam Zé Azul.Sou o Zé Azul do Rio de Janeiro.
  Sobrevivo desde então, comendo sobras que me dão. Durmo nas marquises, nas praças, nas praias e onde me for conveniente. Não cobro nada da vida e a vida nada me cobra também.
  Sofro demais com minha opção de viver por aí... Principalmente pelos meus iguais. Irmãos e irmãs de rua, cada um com sua resposta pra sua condição. E são tantas histórias, histórias de violência, doença, vícios e desistência.
  Não luto por mais nada, não quero nada além do próximo resto de comida como refeição.
 Sou só, caminho só, durmo só, choro só também. Não aceito dividir esta minha dor de existir. Ela é só minha e de mais ninguém.

  Passo os dias olhando as árvores que mudam de lugar todas as noites. Homens, mulheres e crianças que passam o dia nos parques e se recolhem a noite pra morrer um pouco.

  A Arlete morreu ontem. Arlete era uma andarilha com problemas mentais. Foi estuprada e morta por um bando de meninos que pararam um carro embaixo do viaduto em que ela dormia. Acho que ela nem sofreu muito. Nós que vivemos desta maneira aprendemos a morrer calados sem chamar a atenção.

  Passo meses sem pronunciar palavra alguma. Não tenho o que dizer, nem tenho quem me escute. Acho que não precisamos usar as palavras, usamos nossos olhos solitários.
 Tenho que confessar que morro de medo da noite. Ela me assusta, vejo fantasmas em todos os cantos. Quando durmo e consigo sonhar, vejo imagens de minha casa. Vejo sempre a casa vazia, não há ninguém nela. É vazia como meu coração.

   Não entendo como ainda nascem pessoas nas ruas todos os dias. E já nascem com várias idades, alguns até já nascem velhos e caquéticos. Outros tantos nascem bem vestidos, mas nascem todos mudos.
   Não tenho mais vontade de sair dessa condição. Me sinto livre, porém, me sinto só. É uma solidão sem fim, sem dor, sem sentido algum, apenas solidão. Nem triste, nem dolorida, apenas e tão somente solidão. Aprendi a me proteger da noite, dos fantasmas do passado, aprendi a me proteger de mim. 

   Meu coração joguei na fogueira, naquela noite de São João, junto com minha ira, meu ódio e minha emoção. Sou o Zé Azul, o Zé Azul do Rio de Janeiro. É assim que chamam nas ruas. Sou só, caminho só, durmo só. Os caminhos que percorro me ensinaram que não devo fazer escolhas. É só dizer sim e não. É só procurar a luz da lua nas ruas vazias do Leblon e ver o sol nascer por trás das pedras do Arpoador, e sempre antes de todos.

  Não sei por que motivos, passei em frente a casa no morro em que vivi.Meu pai estava sentado na porta, de cabeça baixa.Vi que chorava. Sei que não me reconheceria nessas roupas de sacos de lixo. Lá dentro da casa tenho certeza de ter ouvido alguém pronunciar meu nome. Ouvi alguém dizer: “- Lylian”.