Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Friday, May 20, 2011

Clube do Coração Solitário



Como em quase todos os dias, acordei cedo, tomei banho, engoli um pedaço de pão e saí correndo. Já estava atrasada para o trabalho.
A distância de casa até minha loja não era assim tão grande, mas o trânsito era imprevisível.E eu me sentia péssima, não dormira bem, as constantes discussões com meu marido estavam me deixando cada dia mais deprimida. Depois de muitos anos de convivência, esta fase que estávamos passando parecia arrasadora e definitiva.
O trabalho na loja da família me distraía, as meninas que trabalhavam comigo haviam se tornado companheiras e a elas eu relatava meus sentimentos e angústias.E elas me ouviam, me deixavam chorar e me consolavam.
Sempre fui recatada.Sempre fui o retrato de uma mulher criada em um universo machista. Deixei a casa de papai para me casar...e por isso, talvez, o respeito excessivo, o medo de expressar minhas ideias, minhas dúvidas e a serviliência quase autoescravizante.
Minha vida estava uma porcaria, minha vida se resumia em somente cuidar da loja, do “senhor” marido e de dois filhos adultos preguiçosos. Durante anos vivi assim. Até aquela quarta-feira...
O dia começara preguiçoso, eu estava como sempre cansada, triste, decepcionada com a vida, a família, os amigos...eu queria mesmo era morrer.
Claudia, uma de minhas funcionárias me trouxe um café forte e disse que era pra me ajudar a encarar mais um dia. Me aconselhou a procurar novas amizades,mesmo que fossem virtuais,me incentivou a entrar em salas de bate-papo para pessoas maduras.Hesitei no início, relutei e por fim tive coragem.
Digitei um apelido e entrei na sala.Fiquei observando e lendo as “conversas”. Não queria páginas com conteúdo pornográfico, por isso precisava sondar o território.Fui ficando ali, achava engraçado algumas perguntas, as frases feitas, as paixões instantâneas que as pessoas expressavam...e gostei.
Um apelido me chamou atenção, CCS, quase todas as mulheres na sala “conversavam” com ele, eu não sabia o que ele respondia. Então, lhe enviei um tímido olá.
A resposta veio demorada, porém carregada de educação e gentileza, ele perguntou de onde eu teclava, me “disse” coisas bonitas, me senti feliz.Teclamos por um longo tempo, ele se despediu e prometeu “voltar” mais tarde.Voltei ao meu trabalho.
No final da tarde, novamente entrei na sala, lá estava ele, eu disse boa tarde, ele me respondeu com letras maiúsculas um outro boa tarde.Teclamos, ele falou sobre sua vida, falei da minha (escondendo muito do que vivia realmente), ele parecia ser confiável.Gostei de sua conversa, da maneira que ele via o mundo, de como entendia as pessoas, de como respeitava as ideias alheias e da solidariedade que parecia lhe ser inerente.
Foi com certa melancolia que me despedi de meu novo amigo aquela tarde.Tive vontade de acelerar o tempo, amanhã estava muito longe...
Mais um dia de trabalho, nem bem arrumei minhas coisas rotineiras, sentei na frente do computador e lá estava ele.Não tive coragem de lhe confessar que sonhara com aquele apelido, que eu havia passado a noite em claro contando as horas para o dia clarear.Tudo que ela havia dito sobre relacionamento, solidão...era como se já me conhecesse.
Passamos o dia teclando, ele me convidou para usarmos o Messenger, fiquei um pouco receosa, assim mesmo aceitei o convite.Não havia uma foto, no lugar apenas um avatar com três letras,CCS. Passamos quase o dia inteiro teclando, até que ele me deu o número do seu telefone.Disse a ele que não poderia ligar, que eu era uma mulher casada, madura, com filhos, lhe dei todos os motivos possíveis para escapar daquela “armadilha”. Não consegui, a curiosidade, a vontade de conhecer a voz por trás do apelido, de ouvir o som daquelas palavras doces que ele escrevia me encorajaram e liguei.Eu disse um alô inseguro e esperei a voz que viria do outro lado da linha.Tremi e transpirei, me senti com quinze anos, com o coração na boca.Curiosa e com medo.Medo do que estava sentindo naquele instante.Foi libertador.
Quinze dias depois da primeira ligação, já me sentia envolvida por aquele homem, já tínhamos nos visto pela web cam. Parecia inacreditável, ele já era parte da minha vida.
Ele queria me conhecer de forma real, me falou que queria me dizer olhando nos olhos tudo que dizia na vida virtual.Eu relutava, morria de medo de que me vissem em companhia de um completo desconhecido, mas as meninas me incentivaram, e marcamos um encontro.
Ele me esperava na rua paralela a estação, encostei o carro, buzinei, minhas pernas tremiam, eu podia ouvira as batidas do meu coração.Ele veio se aproximando devagar, colocou a cabeça pra dentro do carro e me beijou.Um beijo longo que me fez estremecer e esquecer minha condição de esposa fiel e mãe presente.Abri a porta do carro ele entrou, rodamos por algumas ruas e sem consultá-lo entrei em um motel.Ele não pareceu surpreso, apenas me perguntou se eu tinha certeza se queria realmente fazer aquilo. Respondi que lá dentro decidiria.
Entramos no quarto, ele sentou-se na cama e me olhava, eu permaneci em pé olhando dentro dos seus olhos.Abri os botões de minha blusa e coloquei sua mão sobre meio seio, lhe pedi pra sentir meu coração, ele sorriu e me acariciou.Seu toque me fez jogar fora todos os tabus que me privaram a vida inteira de ser mulher e humana. Seu toque me fez jogar fora todos os meus conceitos judaico-cristãos, de família, igreja e moral.Eu queria era ser amada, precisava me sentir mulher, amante, traidora, dominadora.Dona do meu mundo.Nos amamos sem medo do pecado e sem medo do inferno...
Na esquina em frente à estação ele desceu do carro, me beijou e partiu.Perguntei se nos veríamos de novo e ele disse que não.
Demorei um tempo pra entender sua afirmação.Primeiro me senti desprezada, achando que ele não gostou de ter feito amor comigo. Somente tempos depois pude perceber que ele me amou de verdade. Uma única vez, mas foi pra sempre.
Tive coragem e contei para meu marido e meus filhos, lhes falei que queria ir embora, que iria viver só.Meu marido mesmo sabendo de tudo, me permitiu ficar em casa, que não precisaria sair. No fundo, no fundo ele não me condenou.
No dia do nascimento do meu primeiro neto, meu marido me convidou pra tomar um drink, que fôssemos comemorar.Há tempos não tinha bebido tanto, eu estava radiante e feliz de verdade, meu marido segurou minhas mãos e disse que nunca havia me visto tão linda.Falei que ele estava sendo gentil, ele disse que não,que era verdadeiro o que estava dizendo.Ele se ajoelhou e disse que ainda me amava.Fiquei emocionada e percebi que nunca havia deixado de amá-lo também.
Eu e meu marido estamos nos conhecendo novamente, descobrindo novos lugares e nos permitindo mais.
Nunca mais entrei em salas de bate- papo,ainda lembro do homem a quem amei eternamente por uma única vez. Sei que errei ao me envolver.O que me conforta é ter a certeza que ele mudou minha vida.Apaguei o CCS do meu computador, não faço mais parte do Clube do Coração Solitário.
Meu nome é Rita de Cássia e quero morrer de amor.