Marcos Tecora Teles

Marcos Tecora Teles

Sunday, May 12, 2013

Trecho da peça Sombras no Jardim.



Trecho da peça  Sombras no Jardim

CENA 6

Locutor - Este programa tem o oferecimento do bar planeta saudade, o lugar onde você põe sua alma e seu coração em um copo.

Locutor - E agora vamos falar com a última ouvinte da noite.Será que ainda tem alguém na linha?

Toca o telefone

Locutor - Boa noite princesa!

Rosa Pequena - Alô?

Locutor - Alô princesa!Você está aí?

Rosa Pequena – Alô? Senhor Solidão?

Locutor - Sim princesa! Estou te ouvindo, qual o teu apelido?

Rosa Pequena - Rosa Pequena!

Locutor - Que delicadeza... Rosa Pequena... Que belo!
Você fala de que lugar pequena flor?

Rosa Pequena- Jardim Ângela, São Paulo.

Locutor - Conheço o Jardim Ângela. Tenho alguns amigos que moram aí.
Tudo bem com você Rosa Pequena?
Rosa Pequena -Vou indo.

Locutor - Você está com a voz triste. Está com sono?

Rosa Pequena – Não, estou cansada.

Locutor - E porquê está acordada até essa hora?

Rosa Pequena - Estou te ouvindo desde o começo do programa.E também não consigo dormir cedo.Aliás, faz tempo que não durmo direito Senhor Solidão.

Locutor - O que houve princesa? Me conte o motivo de tanta solidão.

Rosa Pequena - É uma longa história Senhor Solidão.

Locutor-Não tem problema. Me conte. Quero conhecer tua alma de flor.

Rosa Pequena - Eu sou solitária e viúva desde que me casei.

Locutor –Também foi viúva de marido vivo?

Rosa Pequena –Sim. Isso e mais um pouco.

Locutor – O que aconteceu? Passou um oceano em sua vida?
Rosa Pequena - Um terremoto.

Locutor - Me fale.

Rosa Pequena - Quando conheci meu marido éramos dois jovens.Nos encontrávamos nos bailes de fins de semana. Daí começamos a namorar. Inexperiente como toda adolescente, logo engravidei. E pouco tempo depois nos casamos. Eu não o conhecia direito, foi complicado. Um dia á noite eu estava sentada na porta de meu barraco, a polícia chegou perguntando por ele.Eu disse que ele estava no trabalho e o policial me disse: “que trabalho que nada dona, seu marido é ladrão!”.

Locutor-Que tranco hein, princesa?

Rosa Pequena - Foi um golpe duro. Meu marido não apareceu em casa nesta noite.No outro dia cedo, um amigo dele veio me dizer que ele estava preso, que eu fosse visitá-lo por que a coisa era feia (chorando).

Locutor-Não chore princesa. Respire fundo.

Rosa Pequena - (soluçando) Quando cheguei a delegacia, o delegado me perguntou se eu era esposa dele eu confirmei.O delegado me disse que meu marido iria pegar no mínimo 30 anos de cadeia.Afirmou que mataram um casal de idosos e duas crianças numa chácara em Embú-Guaçu e que meu marido e seus comparsas eram suspeitos. Não tínhamos dinheiro para pagar advogado. Ele foi pra prisão.

Locutor-Que choque pequena rosa.Que choque.

Rosa pequena - Depois disso, minha vida virou um inferno.Eu era obrigada a visitá-lo numa colônia penal no interior, uma cidade longe, horas de viagem, muita humilhação, cansaço, solidão...

( PAUSA)

Locutor - Quer falar mais?

Rosa Pequena - Não vou atrapalhar?

Locutor-Claro que não linda rosa. Abra o coração.

Rosa Pequena - Meu marido ficou 15 anos preso. Conseguiu uma liberdade condicional há quatro meses. Fizemos muitos planos Senhor Solidão.Durante esses anos eu lutei só, criei meu filho, construí uma casa, e agora, mesmo com todos os defeitos meu homem estava em casa. Era um sonho.

Locutor - Você disse era, pequena rosa?

Rosa Pequena - Sim Senhor Solidão era. Ele nunca me amou, ele amava o crime. Há duas semanas foi morto fugindo da polícia depois de fazer um sequestro relâmpago.

( PAUSA)

Locutor - Coisas da vida linda rosa e eu não sei o que te dizer.
A única certeza que tenho é que você não é a única nem será a última a passar por isso. Sim, com certeza você sempre foi viúva. 
Mas nem sempre temos que aceitar as coisas como elas são. Ás vezes precisamos mudar o curso de nossa história, mudar de bairro, de cidade, mudar a cor dos cabelos. Precisamos procurar todos os meios pra enganarmos a solidão, ela nos acompanha, ela é uma sombra que nos segue pela vida afora.
 O que nós dois sabemos é que você agora é uma mulher livre, sem amarras e sem grades. Você também pagou por crimes não cometidos e é sua hora de viver. É sua hora de pegar seu pote de ouro no fim do arco-íris, para cada dia basta seu mal e seus dias de alegria estão chegando. E sei que você também sente isso.

Rosa Pequena  - Sim, é verdade. . .

Locutor - Agora entendo sua falta de sono. Não é medo da solidão, é a dúvida do que fazer com a sua liberdade.

Rosa Pequena - Acho que sim(sorrindo).

Locutor - Então, quando o dia clarear prometa a si mesma colocar seu melhor vestido, uma flor nos cabelos e sorrir para todos, uma rosa não é uma rosa se não se abrir e soltar seu perfume para o mundo.

( Rosa Pequena Sorri)

Locutor - Boa sorte linda Rosa Pequena do Jardim Ângela. Seja feliz você merece.

Rosa Pequena  – Boa noite Senhor Solidão, obrigada.

Locutor - Eu te agradeço por me mostrar seu coração linda flor.Um beijo.